Animado pelo “melhor trimestre de sempre” entre outubro e dezembro e pela subida de 14,3% das exportações em janeiro, o calçado português está “apreensivo” com os “ventos de leste” vindos da Ucrânia, mas “a fazer o trabalho de casa”.
“O último trimestre de 2021 foi o melhor de sempre em matéria de mercados internacionais para a indústria portuguesa de calçado. Começámos o ano de 2022 com um registo muito positivo – as exportações aumentaram 15% no início do ano – e tínhamos a antevisão de que este seria um ano de forte afirmação do calçado português nos mercados externos. Agora, naturalmente, estamos mais apreensivos”, afirmou o diretor de comunicação da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS).
Em declarações à agência Lusa à margem da feira de calçado MICAM, em Milão, Itália, onde de hoje até terça-feira participam 35 empresas portuguesas, Paulo Gonçalves garantiu, contudo, que o setor continua “a fazer o trabalho de casa”.
“Não só regressámos em força àquela que é a maior feira de calçado do mundo, como já é do conhecimento público o investimento que tencionamos fazer até 2025, na ordem de 140 milhões de euros, para tornarmos a nossa indústria a mais moderna e mais sustentável do mundo”, salientou, assegurando: “Nós estamos a fazer o trabalho de casa para que, quando o mundo entrar no seu ritmo normal, Portugal possa estar na vanguarda deste processo de desenvolvimento de uma indústria do século XXI”.
Embora os mercados da Rússia e da Ucrânia representem, juntos, menos de 1% das vendas do setor de calçado, que “exporta mais de 95% da sua produção para 170 países e não está dependente de nenhum mercado em particular”, a APICCAPS teme os “efeitos colaterais de numa guerra no centro da Europa, com as consequências que daí podem advir”.
Para além de questões como o aumento dos custos da energia, dos combustíveis e das matérias-primas, há um “efeito indireto” que pode penalizar parte das exportações portuguesas de calçado para mercados como a Alemanha, Holanda ou Polónia, cujo destino final era a reexportação para a Rússia.
“Sabemos, naturalmente, que há esse efeito indireto, mas não temos dados objetivos que nos permitam concluir que é este número ou aquele. Aquilo que sabemos é que estamos num clima de alguma incerteza, que é sempre prejudicial para os negócios em geral”, concluiu Paulo Gonçalves.
Já o gestor de marca da Kyaia, empresa com sede em Guimarães e dona da marca Fly London, aponta a “grande incerteza” que os “ventos de leste” voltaram a trazer ao setor, precisamente quando este recuperava do impacto sofrido com a pandemia.
“O ano 2022 arrancou bem, mas agora estamos com esta situação e ninguém sabe como é que isto vai evoluir”, reconheceu António Alves, em entrevista à Lusa.
E se, diretamente, os efeitos da guerra na Ucrânia são limitados, já que a Rússia “não representava muito” para a Kyaia, a empresa teme “toda a estranheza do mercado em relação a esta situação” e diz já estar “a começar a sentir” os efeitos “nos países à volta”, nomeadamente na Polónia e, até, na Alemanha.
“Na Alemanha tivemos uma situação de um cliente que acabou por desistir da encomenda, […] porque tinha algumas relações com uma comunidade russa e acabou por ficar afetado por isso”, disse.
Com mais de 95% da produção direcionada para a exportação, a Kyaia tem os EUA, o Reino Unido e a Alemanha como principais mercados e, apesar da atual incerteza, prevê aumentar a faturação este ano face a 2021: “Os ventos de leste podem vir a impactar um bocadinho, mas perspetiva era e continua a ser crescer em 2022”, assegurou António Alves.
Também a marca de calçado desportivo Ambitious, da empresa de Guimarães Celita, direcionava para a Rússia e para a Ucrânia uma “percentagem muito residual” das suas vendas totais de 18 milhões de euros, pelo que prevê um “impacto diminuto” no volume de negócios.
Ainda assim, reconhece que, “especialmente a Rússia, era um mercado extremamente interessante”, que a empresa estava “a começar a desenvolver” e que, agora, teve de deixar em ‘stand by’.
Apesar de tudo, planeia manter os negócios que tem nos países vizinhos: “Nós já estamos naquela zona, por isso vamos continuar. Sabemos que teremos algumas dificuldades, mas vamos continuar”, assegurou o empresário Paulo Martins.
Com exportações para cerca de 45 países, com destaque para a Itália e Alemanha, a Ambitious prevê que o prolongamento da guerra agrave os efeitos já sentidos no custo da energia, dos transportes e dos combustíveis e considera inevitável que estes acréscimos se venham a repercutir no preço final ao consumidor.
“Vamos sofrer porque esses custos vão aumentar, claramente. Isso será inevitável e terá impacto também na nossa indústria auxiliar, que são os nossos fornecedores, e penso que não haverá grandes soluções senão refletir este aumento no consumidor final”, rematou.
A participação nacional na MICAM insere-se na estratégia promocional definida pela APICCAPS e pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), com o apoio do Programa Compete 2020, e visa consolidar a posição relativa do calçado português nos mercados externos, para onde o setor exporta mais de 95% da sua produção.