O segredo da justiça e a liberdade de informação

João Ferreira Araújo. Foto: Joaquim Gomes / O MINHO

ARTIGO DE OPINIÃO

João Ferreira Araújo

Advogado

Nos últimos dias fui interveniente, enquanto advogado, num processo penal de violação do segredo de justiça.

O meu constituinte, alegadamente, terá violado o segredo de justiça de um determinado processo, publicando alguns factos na comunicação social.

Ora, um processo de violação do segredo de justiça, neste país, é quase inaudito, havendo, como há, violações do segredo de justiça quase diariamente e sem consequências penais para quem o viola. Daí algumas reflexões sobre o tema.

O segredo de justiça, desde 2007, tem um caracter excecional, pois a regra é o da publicidade absoluta dos processos, incluindo na fase de inquérito, ainda que com algumas exceções.

Esta publicidade tem uma vertente interna, relativa aos sujeitos processuais, e uma vertente externa, relativa a terceiros. Por um lado, tal acaba por garantir a tutela penal dos direitos do arguido, no conhecimento que este acaba por ter da prova da acusação, mas também da vítima, já que lhe permite discutir a eventual contraprova do arguido.

A publicidade externa, pelo seu lado, traria consigo maior eficácia à ação da justiça, atenta a maior publicidade processual.

Contudo, a publicidade, tendo passado a ser regra, não deixou de ser suscetível de agastamento, nomeadamente na fase de inquérito.

E é precisamente nesses casos que se têm levantado problemas.

Argumentam os que são a favor da existência do segredo de justiça de que se a publicidade fosse absoluta, estaria em causa, em alguns casos, a descoberta da verdade, a permanência dos arguidos ao dispor da investigação e a facilidade de obtenção de provas. 

Acrescentam ainda que nos casos da criminalidade económica será essencial que a investigação permaneça sigilosa.

O segredo de justiça existe, fundamentalmente, para proteger a investigação criminal da interferência de terceiros na descoberta da verdade e não os direitos do arguido.

Por fim a sanção: o Código Penal pune a violação do segredo de justiça, com pena de prisão até dois anos ou com multa até 240 dias, considerando-se que viola o conteúdo do segredo de justiça quem der conhecimento, total ou parcial, de ato processual protegido pelo segredo ou de um ato em cuja celebração não estivesse permitida a assistência de público em geral.

Ora, tudo isto é letra morta!!!

A liberdade de informação é o direito de informar e de ser informado.

A grande missão da comunicação social é dar publicidade (isto é, tornar público) o que é de interesse para a comunidade.

E aqui é que estes direitos podem ser e são muitas vezes conflituantes. Todos sabemos que a Justiça tem o seu tempo, as suas complexidades, os seus métodos de apuramento da verdade.

A comunicação social, cada vez mais rápida, não se compadece na maior parte das vezes com o tempo da justiça.

O desafio está em traçar os limites e as compatibilidades.

Ambas, justiça e comunicação social, terão de se compatibilizar e arranjar uma forma de garantia o direito à informação e a tutela dos direitos dos arguidos e da investigação.

Esse entendimento deve começar num diagnóstico correto do problema, evitando confusões.

Quando a comunicação social se antecipa à investigação judicial e divulga factos que não fazem parte do processo, e que, como tal, não estão sujeitos a segredo, não se verifica qualquer conflito entre a liberdade de informar e a violação do segredo de justiça.

O problema é quando há transcrição de escutas nos jornais, existência de buscas acompanhadas por todos os meios de comunicação social, isto sim é passar o risco.

Agora a maior parte das vezes a violação do segredo de justiça verifica-se nos casos em que são arguidos políticos, dirigentes desportivos e grandes empresários, com uma motivação muito própria, que é a de pretender fazer julgamentos na praça publica.

Assim, a atual legislação sobre a violação do segredo de justiça é inadequada à realidade, por ser desajustada e uma completa letra morta.

Por isso, sempre defendi que o segredo de justiça não deve existir, a partir do momento em que o suspeito se torna arguido, porque não o protege. O Ministério Publico, na fase investigatória, deveria ter como procedimento habitual coligir todas as provas possíveis e só quando na posse das mesmas constituir arguido o suspeito como fase última da investigação.

Vejam o caso Madoff nos Estados Unidos da América, em que a investigação foi realizada e só no seu terminus é que este foi constituído arguido, tendo ficado preventivamente preso até à realização do julgamento, algum tempo depois, acabando por ser condenado.

Em Portugal um processo similar demoraria anos e anos a ser investigado e julgado.

Consideramos, assim, que ou se elimina de uma vez o segredo de justiça e deixamos de fazer de conta que aplicamos sanções penais a quem o viola, ou existe uma legislação clara e transparente sobre a matéria que deve ser aplicada a todos, com as consequências penais daí decorrentes e sem contemplações.

 
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