Artigo de Inna Ohnivets
Embaixadora da Ucrânia em Portugal.
Nos últimos dias, surgiu uma polémica quente nos meios de comunicação portugueses sobre a Grande Fome na Ucrânia nos anos de 1932-33.
Esta foi uma tragédia que exterminou milhões de ucranianos e afetou todas as famílias ucranianas. Precisamente por não querermos que se repita, iremos falar sobre ela.
Esta tragédia humanitária, designada por Holodomor (com o significado de “execução mortal pela fome”) pertence aos mais cruéis massacres que o século XX viveu, apesar de ainda ser por muitos desconhecida.
No início dos anos 30, no coração da Europa, na Ucrânia – território considerado como o celeiro da Europa – o regime estalinista cometeu um terrível ato de genocídio contra milhões de ucranianos. Os camponeses ucranianos foram condenados à fome, uma das mais brutais formas de tortura e de morte.
À luz de um plano criminoso, o governo estalinista desencadeou um processo de extinção das elites políticas e intelectuais ucranianas, bem como da grande massa da população produtiva da Ucrânia, em nome da total sujeição da vontade desta nação e do seu território ao poder imperialista soviético. A Igreja Ortodoxa foi proibida, dezenas de bispos e padres foram perseguidos e mortos. Os fiéis foram impedidos de manifestar a sua fé e, saliente-se, grande parte das famílias dos camponeses ucranianos foi massacrada por uma fome prolongada e silenciosa, organizada artificialmente, enquanto os mantimentos de cereais apodreciam nos silos. A polícia secreta soviética fechou as fronteiras e vedou o acesso de milhões de camponeses de todas idades aos alimentos básicos.
Escondeu a fome
O Governo Soviético ocultou da comunidade internacional a ocorrência da fomeprovocada na Ucrânia e rejeitou as ofertas de auxílio feitas por vários países e organizações humanitárias. Tais ofertas de auxílio internacional foram denunciadas pelo regime comunista como propaganda anti-soviética.
Para evitar que estes terríveis crimes fossem do conhecimento da população de outros países, estabeleceram-se então severas restrições nas viagens para as áreas afetadas pela fome.
Por ordem de Estaline, os responsáveis pelo censo demográfico de 1937, que revelou um acentuado decréscimo da população ucraniana em consequência do Holodomor, foram fuzilados, e os resultados do censo foram suprimidos.
O resultado foi uma catástrofe humana: mais de 7,5 milhões de ucranianos morreram de fome entre 1932 e 1933. Morreram porque a comida lhes foi retirada.
Apenas – imagine o leitor – que, em junho de 1933, todos os dias morriam cerca de 35 mil pessoas. Morriam 1440 pessoas por hora, ou seja, 24 pessoas por minuto.
Aqueles que sobreviveram, conseguiram-no comendo relva e insetos, sapos e rãs, pele de sapatos e folhas.
Canibalismo
Houve incidentes de canibalismo que foram detetados pela polícia, os quais foram registados e reportados às autoridades de Moscovo, que nunca responderam.
Tal política do regime soviético é um crime contra a humanidade,de acordo com a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio.
Raphael Lemkin, autor do conceito de “genocídio” e pai da Convenção acima mencionada, destacou “a destruição da nação ucraniana” como “um exemplo clássico de genocídio”.
Em 1953, Lemkin apresentou o relatório “Genocídio Soviético na Ucrânia” perante uma audiência de 3000 pessoas, reunidas no Manhattan Center, em Nova Iorque, para assinalar o 20º aniversário do Holodomor de 1932-1933.
Na altura, Lemkin disse que “isto não foi apenas um assassinato em massa. Trata-se de um genocídio, um extermínio não apenas de indivíduos, mas também de uma cultura e de uma nação”.
O mesmo descreveu o Holodomor como “um exemplo clássico do genocídio soviético, da sua mais longa e mais ampla experiência de russificação – o extermínio da nação ucraniana”.
Para a Ucrânia, a questão da prevenção do crime de genocídio é de particular importância. Durante quase 60 anos, os ucranianos estiveram inclusive proibidos de lembrar os seus parentes que morreram famintos durante o Holodomor.
Lei reconhece o genocídio
Em 2006, a Ucrânia adotou uma lei que reconhece o Holodomor como genocídio e que integra medidas de restauração e preservação da memória nacional, incluindo o livre acesso de académicos e investigadores aos arquivos sobre o Holodomor. Em Kyiv, foi construído um Museu do Holodomor e um complexo memorial. De acordo com o Museu do Holodomor, o genocídio na Ucrânia em 1932-33 é confirmado por:
3.456 documentos das autoridades e do Partido Comunista, incluindo os assinados por Stalin, que foram encontrados e desclassificados;
3.186 livros de registo de certidões de óbito em 1932–1933, confirmando a morte em massa da população por fome artificial;
depoimentos de 1.730 testemunhas e de vítimas dos atos criminosos do regime totalitário;
857 valas comuns onde estão enterradas as vítimas de genocídio e outras evidências desse crime.
Atualmente, 16 países, incluído Portugal, reconheceram o Holodomor de 1932-33 na Ucrânia como o genocídio do povo ucraniano.
A de 3 de março de 2017, a Assembleia da República Portuguesa aprovou dois votos: um voto de condenação, “Reconhecimento do “Holodomor” – Grande Fome de 1932 e 1933, ocorrida na Ucrânia”, pelo qual se reconhece oficialmente este genocídio, e outro voto de homenagem às vítimas da Grande Fome na Ucrânia.
Agradecemos a Portugal por esta decisão tão importante para todos os ucranianos, uma vez que a nossa memória conjunta sobre os crimes do passado é a garantia de que os mesmos não se repetem no futuro.
Ao divulgar informação sobre o Holodomor como um ato de genocídio, a Ucrânia pretende dar a conhecer à comunidade internacional o facto de que a fome continua a ser utilizada como uma arma, Por sua vez, o conhecimento é uma forma de contribuir para a prevenção de atos semelhantes em diversas regiões do Mundo.