A família que foi vítima de roubo com tortura a pais e filhos na freguesia de Igreja Nova, em Barcelos, há cerca de oito meses, vive com receio, tendo o casal comparecido a semana passada, na Polícia Judiciária de Braga, desesperado por justiça, pois os suspeitos foram detidos mas libertados sem irem ao juiz de instrução criminal.
Na madrugada de 23 de fevereiro, a família, casal e dois filhos, acordaram sobressaltados, com um grupo de encapuzados munidos com dois pés de cabra a torturarem o casal, com cerca de 50 anos, a filha de 19 anos e o filho de 24 anos, desancando-os até revelarem onde tinham guardado dinheiro e ouro, roubando peças daquele material precioso no total de mais de um quilo, além de uma avultada quantia em dinheiro vivo.
Firmino Cunha disse a O MINHO que a revolta é imensa, receando que este crime de homejacking “fique definitivamente impune”. Para a vítima, há “a hipótese de ser arquivado por falta de prova, quando toda a gente em Barcelos e na Polícia Judiciária de Braga sabe bem quem são os autores morais e materiais deste crime bárbaro e sem precedentes contra nós, têm a prova toda, mas quando vamos à PJ de Braga pedir o ponto de situação parece que nós é que somos os criminosos”.
Paula Cunha, a esposa, depois de mais uma deslocação de Barcelos até à Polícia Judiciária de Braga, secunda as palavras do marido, ao “estranhar como é que toda a gente sabe quem foram os autores, eles foram detidos há quatro meses pela PJ de Braga, mas saíram todos logo em liberdade, até se deram ao luxo de desatar às gargalhadas, virados para o edifício da Polícia Judiciária, em amena cavaqueira, a festejarem, pois ninguém, nem os próprios, acreditavam naquele desfecho”.
Os crimes de sequestro, de ofensas corporais graves e de roubo foram cometidos na moradia do casal, situada na freguesia de Igreja Nova, do concelho de Barcelos, tendo sido a GNR e os Bombeiros Voluntários de Barcelos a socorrerem todas as vítimas, mas dada a gravidade dos múltiplos crimes o processo transitou de imediato para a Polícia Judiciária de Braga.
Porque torturaram sem só nem piedade pais e filhos durante quase duas horas, os bandidos roubaram peças de ouro com mais de um quilo e uma avultada quantia em dinheiro, tendo quatro meses após sido detidos pela PJ de Braga uma dezena de suspeitos e alvo de buscas domiciliárias, mas libertados nesse dia sem serem presentes ao juiz de instrução criminal.
“Desde aí tem sido um calvário, todos os dias e todas as noites, porque estamos sempre com medo que isto nos volte a acontecer, quando passamos perto dos suspeitos até se riem de nós, como se riram da PJ de Braga na tarde em que saíram todos de lá em liberdade”, salientou Paula Cunha, a vítima que sofreu ferimentos mais graves, principalmente na cabeça.
O marido, Firmino Cunha, reforça a indignação da esposa: “Eu fiquei com as costas numa miséria, fomos todos amarrados, dentro da nossa própria casa, também torturaram os nossos dois filhos, o rapaz até ficou com o crânio esfacelado, mas parece que andamos a pedir uma esmola quando nos dirigimos à PJ de Braga a pedir que se faça justiça”, acrescentando que “por este andar ainda pensam por aí que nós inventamos tudo, que foi tudo uma mentira, imagine-se”.
“Nós não estamos nada contra a Polícia Judiciária de Braga, muito pelo contrário, sabemos que estão a fazer o máximo que podem, mas vemos a PJ de Lisboa e do Porto a prenderem quadrilhas pelo mesmo tipo de crimes e receamos receber uma comunicação do Ministério Público a dizer que o processo foi arquivado por falta de prova”, segundo refere o casal, manifestando “alguma esperança que a PJ de Braga consiga fazer connosco o que tem feito por todas as outras vítimas”.
O casal Cunha disse ser este o segundo assalto do qual são vítimas: “O primeiro foi há oito anos, mas na altura tivemos sorte, porque foi a GNR de Barcelos que tomou conta do caso e passadas poucas horas resolveram a situação, prendendo todos, recuperando tudo”. Mas agora esperam “que a PJ, considerada das melhores polícias mundiais, faça o seu trabalho”, porque até têm “colaborado sempre desde início, fornecendo todo o tipo de informações e documentos que nos iam pedindo”.
“A Polícia Judiciária prende gente muito poderosa e importante, evita ataques terroristas, no caso da PJ de Braga todos os dias está nos jornais em destaque porque trabalha muito e bem, mas não consegue descobrir os autores deste crime, já não sabemos o que pensar, em quem acreditar, então foram buscar mais de dez suspeitos, fizeram-lhes buscas, tendo-os surpreendido com roupa e máscaras usadas no assalto, mas mandaram-nos embora no próprio dia”, refere Firmino Cunha.
A Diretoria do Norte da Polícia Judiciária conta com uma Secção Regional de Combate ao Terrorismo e ao Banditismo, vocacionada para este tipo de situações, mas segundo apurou O MINHO, nunca foi acionada, ao contrário do que costuma acontecer nos crimes envolvendo sequestros, tratando-se do grupo de trabalho da PJ no Norte com mais e melhores meios de atuação, onde são colocados inspetores mais capacitados, dispondo de valências próprias, que a PJ de Braga não tem.
PJ sem resposta e MP não comenta
O Gabinete de Comunicação e Imagem (GABIC) da Polícia Judiciária de Braga, questionado, duas vezes, no espaço de uma semana, sobre o impasse do processo e do volte-face da operação frustrada da PJ de Braga, há quatro meses, nunca respondeu, enquanto no departamento minhoto da PJ não há competência orgânica para prestar esclarecimentos, sem um prévio assentimento da Direção Nacional da Polícia Judiciária, que está sediada em Lisboa, o que também não sucedeu.
O processo, embora investigado pela PJ de Braga, depende da 1ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Ministério Público, que está sediada em Guimarães, trata dos crimes mais violentos de todo o distrito de Braga e tendo como seu responsável direto e titular do caso um dos procuradores-adjuntos, Ricardo Tomás, jovem magistrado, especializado no combate à violência associada ao fenómeno desportivo, encontrando-se os autos em segredo de justiça.
A Procuradoria-Geral da República, órgão de cúpula do Ministério Público esclareceu, em resposta a O MINHO, que “a investigação prossegue sujeita a segredo de justiça, pelo que não é possível prestar informação adicional”, segundo o seu Gabinete de Imprensa, em Lisboa, ficando por saber porque razão foram detidos há quatro meses uma dezena de suspeitos que a Polícia Judiciária de Braga colocou em liberdade nesse mesmo dia, ao final da tarde, um mistério que ainda perdura.