O Tribunal da Relação de Guimarães confirmou, em acórdão de junho, a decisão do Ministério Público (MP) do juízo local de Família e Menores de Fafe que retirou, em novembro de 2019, logo após o nascimento, uma bebé aos pais, mandando-a para a Associação de Apoio à Criança (AAC), em Guimarães, onde ainda permanece, agora com 32 meses de idade. Para ser adotada.
O magistrado concluiu que os progenitores “não tinham condições para lhe prestarem os cuidados básicos, nem se esforçaram por reunir condições para a acolher”.
A mãe – argumentou, então, o MP – “continua sem rendimentos nem residência estável, envolvendo-se em relacionamentos amorosos de curta duração e marcados por maus tratos e violência. A sua relação com a criança foi-se deteriorando, passando largos períodos sem a visitar. Por sua vez, o pai esteve sempre detido ou em cumprimento de pena de prisão e a criança não o conhece”.
Em novembro de 2021 foi realizada uma conferência para a obtenção de acordo de promoção e proteção para a aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção, sendo que os progenitores não deram o seu acordo.
A seguir, o Tribunal declarou a inibição do exercício das responsabilidades parentais, e nomeou curador provisório da menor o Diretor técnico da AAC.
Recurso dos pais
A mãe recorreu a seguir para a Relação – no que foi acompanhada pelo pai – dizendo que, “durante o período compreendido entre a admissão da menina, dias após o seu nascimento, e março de 2020, visitou a filha de forma assídua e pontual, contactando a instituição para informar a impossibilidade de comparecer ou para pedir alteração de horários”.
Acrescenta que, “a situação pandémica e o decorrente confinamento geral ditaram a suspensão das visitas, entre março e maio de 2020”.
Diz que, em maio de 2020, contactou a AAC para informar que residia no Algarve e que agendaria visita quando se deslocasse ao norte, “sendo que, então, foram agendadas videochamadas semanais, à quarta-feira, que foram cumpridas”.
E retomou as visitas em junho de 2020 e, desde esse dia, foi-a vendo com regularidade.
“Assim, “esteve apenas um período inferior a três semanas sem ver a filha, por se encontrar no Algarve, mas com videochamadas semanais”.
Salienta que, “após a retoma das visitas, verificaram-se algumas ausências, relacionadas com questões de saúde e que foram justificadas”.
Sustenta que o seu ‘histórico’ de vida, nomeadamente, o facto de não ter mantido a guarda e o exercício das responsabilidades parentais dos seus sete filhos mais velhos, “não podem relevar para a verificação objetiva dos pressupostos exigíveis para a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no artigo 1978.º do Código Civil”.
A mãe afirmou, ainda, “ter condições para o seu sustento, sendo-lhe reconhecida boa capacidade profissional”, e anotou que o facto de ter sido condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, não deve relevar, na medida em que o crime ocorreu mais de 3 anos antes do nascimento da filha”.
Conclui, garantindo que “evidenciou esforços notórios para melhorar a sua condição de vida e manter vínculos afetivos com a menina, visitando-a ou convivendo em vídeochamada”.
Acentua que lhe são reconhecidas “competências como mãe, bem como uma relação afetiva com a filha, muito mais sólida do que a que existe entre esta e o progenitor”.
Conclui, dizendo que “não se encontram preenchidos os pressupostos para a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção, por inexistência de uma situação de perigo, na medida em que a criança se encontra salvaguardada na instituição onde reside desde os primeiros dias de vida”.
Vidas difíceis
Antes de recusar o recurso, os juízes da Relação lembraram que a menor nasceu na maternidade do Hospital de Guimarães, tendo a respetiva Coordenadora do Serviço Social sinalizado que “a mãe revelava uma fragilidade emocional constante, com relações amorosas marcadas por violência e de curta duração”, e que “a sua residência não tem condições de habitabilidade, não existindo retaguarda familiar”.
A CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens) foi à casa onde a mãe e a filha iriam habitar, tendo constatado que o quarto era muito frio e húmido e que, para a bebé, havia somente uma cama, com uma cobertura suja, sem lençóis, sem cobertor, nem colchão. E, em cima da cobertura. havia “cocó de rato”, o que – dizem as assistentes sociais – “fez com que tirássemos tudo da cama. Ao lado havia uma banheira cheia de teias de aranha. Não havia nenhuma peça de roupa, não havia fraldas, nem produtos de higiene”.
Diz que a progenitora tem 36 anos, possui o 6º ano de escolaridade, e “tem trabalhado de forma inconstante, o que a coloca na dependência económica de terceiros, e revela instabilidade emocional e relacional, não conseguindo controlar os impulsos, nem encetar compromissos de longa duração e sempre priorizou os seus relacionamentos amorosos em detrimento dos filhos”.
A história repete-se: mãe também foi institucionalizada
Salienta que ela própria, aos sete anos de idade, juntamente com os seus sete irmãos, foi acolhida numa instituição, por decisão judicial, e ali permaneceu desde os 7 anos até aos 16 anos.
E assinala: “não tem retaguarda familiar, e tem sete filhos, sendo que nenhum está aos seus cuidados”, acrescentando que efetuou visitas irregulares à menor, faltando a algumas visitas sem aviso prévio, mas em maio de 2021, decidiu ir com outro companheiro para o Algarve, onde ia fixar residência, desinteressando-se pelo destino da menor, o que só não sucedeu porque se desentendeu com ele”.
Pai na prisão
Já o pai, de 44 anos, também com o 6º ano, tem trabalhado no setor têxtil, no calçado e na construção civil, e para diferentes entidades patronais, registando um longo historial de consumo abusivo de álcool. Foi condenado várias vezes, algumas a prisão efetiva, por mais de uma dúzia de crimes vários, desde condução sem carta e em estado de embriaguez a outros como desobediência.
Em 2021, estava preso pela quinta vez, no caso em Viana do Castelo, mas fugiu, encontrando-se em parte incerta.
Face a este historial dos pais, a Relação indeferiu os recursos.