Vinte e dois anos depois do início do “romance” da demolição, o bloco principal do prédio Coutinho começou hoje a ser alvo de uma “estratégia de ataque, pura e dura”, para sair da vista de Viana do Castelo.
Os 42 metros de altura do “mamarracho” ou “aborto urbanístico”, como o apelidou o antigo presidente da Câmara, Defensor Moura, que iniciou o projeto de requalificação do centro histórico da cidade, começaram pela manhã a ser destruídos das traseiras para a frente, virada para o rio Lima.
A demolição “pesada”, decidida aquando da aprovação do plano pormenor do Centro Histórico de Viana do Castelo, em 2000, ao abrigo do programa Polis, foi testada, na quinta-feira, a meio da tarde. Hoje começou a sério, para pôr fim ao “romance” do prédio Coutinho, como lhe chamou o ministro do Ambiente, Matos Fernandes.
A paragem de cerca de um mês permitiu afinar os mecanismos de segurança da obra, e deixar recuperar da covid-19 o manobrador especialista em operar o braço de 40 metros da máquina giratória.
“A estratégia de ataque está a decorrer a bom ritmo. Estamos a demolir de trás para a frente, entrando cada vez mais no edifício”, explicou hoje à agência Lusa, o administrador e um dos proprietários da Baltor, a empresa responsável pela desconstrução do edifício, Cláudio Costa.
Apesar do atraso no início da desconstrução dos 105 apartamentos existentes nos 13 andares das duas torres, nascente e poente, prevista para janeiro, Cláudio Costa acredita que “ainda é possível” cumprir o prazo previsto para a conclusão da empreitada, o próximo mês de março.
“Achamos que ainda é possível cumprir o prazo. É um desafio. No pior dos cenários, temos um atraso de um mês”, referiu.
O empresário admitiu que, nesta fase, a obra está “muito dependente” da máquina giratória que, no primeiro dia de demolição “pura e dura”, está a “ter um bom rendimento”.
“Hoje esperamos conseguir desfazer toda uma linha da fachada posterior para entrar mais no edifício”, afiançou.
Acelerar não é um verbo que o empresário goste de conjugar por ser inimigo da perfeição que quer ver assegurada ao limite, numa obra “muito exigente e desafiante”.
“A grande vantagem deste desafio é o reduzido número de pessoas afetas a esta fase. O edifício está a ser demolido sem ninguém no seu interior. Nesta altura estão envolvidos cerca de 10 trabalhadores, entre operários, direção de obra e fiscalização”, apontou, realçando que a segurança “é a primeira preocupação”, da empresa e da Vianapolis, quer dentro, como fora dos estaleiros.
“Não houve acidentes de trabalho a registar”, sublinhou o administrador que acrescentou que quando metade do edifício já estiver demolida, poderão começar a operar, a partir do solo, mais máquinas “noutras frentes” de trabalho, imprimindo “mais ritmo” à empreitada.
Construído no início da década de 70 do século passado, o complexo do prédio Coutinho, nome do empreiteiro que o construiu e com que foi batizado localmente, já foi diminuído do bloco de apartamentos, mais pequeno, situado nas traseiras.
Sobram os detritos que agora servem de plataforma para elevar o braço de 40 metros da máquina giratória ao topo do edifício Jardim.
Depois de mais de duas décadas de avanços e recuos motivados pela batalha judicial levada a cabo pelos moradores processos judiciais, por uma ação de despejo frustrada pela resistência dos últimos proprietários, a desconstrução entrou em velocidade cruzeiro e tem sido registada por muitos, em fotografias e vídeos, profusamente partilhadas nas redes sociais, onde o destino traçado para o Coutinho continua a não ser consensual.
A partir de março o imponente edifício deixará de fazer sombra à cidade que decidiu retirá-lo do centro histórico e construir, no seu lugar, o novo mercado municipal.
A Baltor, empresa de Viana do Castelo, não esconde o interesse na nova obra, até para “reutilizar os inertes resultantes da trituração do Coutinho”.
“Vamos concorrer [ao concurso público]. Para nós e um projeto estratégico. Queremos muito fazer o mercado. Queremos ter essa mais-valia ambiental e económica. É um projeto que nos interessa muito por somos uma empresa de Viana do Castelo, com sede a poucos metros do prédio Coutinho”, disse Cláudio Costa.
Material de desconstrução do prédio Coutinho reutilizado em novas obras
O administrador da empresa responsável pela desconstrução do prédio Coutinho, em Viana do Castelo, disse hoje que, do material retirado do edifício, parte foi encaminhado para reciclagem, outra para reutilização e algum entrou diretamente no mercado.
“As portas entraram novamente no mercado”, disse Cláudio Costa, admitindo que o reaproveitamento de materiais seja ainda uma prática “muito pouco madura” em Portugal.
O material restante vai ser encaminhado para os destinos de reciclagem, sendo que os inertes vão ser todos britados de modo a serem aproveitados noutras obras.
“No início da empreitada tínhamos um grande número de homens a desmembrar o edifício, a separar tudo muito bem, para garantir que cada material fosse para o seu destino”, explicou Cláudio Costa, um dos proprietários da Baltor.
A empresa ganhou o concurso público para a desconstrução dos 13 andares das torres nascente e poente, e do bloco mais pequeno situado nas traseiras do prédio Coutinho, por ter apresentado a “proposta competitiva em termos de preço”.
“Fomos os mais arrojados no preço, tendo em conta a avaliação e valorização dos resíduos”, explicou.
O contrato para a execução da empreitada, orçada em 1,2 milhões de euros, prevê que os proveitos resultantes da reutilização e reciclagem dos inertes revertam para a construtora.
“O grande trunfo não é tanto o reaproveitamento direto, como é o caso das portas, que ainda assim foi espetacular, mas reutilização e reciclagem. Iniciámos os processos de reciclagem da caixilharia, de todos os materiais serralharia, as madeiras, excluindo as portas, também foram para reciclagem. Todos os materiais que são valorizáveis foram separados”, apontou Cláudio Costa.
O empresário adiantou que o “proveito mais impactante” da empreitada resultará dos detritos que a Baltor irá britar.
“vai gerar muito camião de material. Em vez de comprarmos em pedreiras vamos ter no nosso estaleiro para reutilizar”, referiu.
A “expectativa” da empresa é, “nos próximos meses, dar utilidade” ao que restou do prédio Coutinho “em alguma empreitada em que seja adjudicatária ou noutro projeto em curso na região, ou até vender a terceiros”.
Questionado sobre o montante que resultará dessa operação, Cláudio Costa não apontou uma estimativa face à “instabilidade” atual dos preços nos materiais de construção civil.
Segundo uma lista hoje fornecida à Lusa, pela VianaPolis, relativa aos resíduos enviados para destino final, até dezembro de 2021, a madeira atinge maior quantidade, com 257.386 quilogramas (kg).
Segue-se o ferro e o aço, com 57.800 kg, os monstros com 21.440 kg, o vidro com 15.860 kg e o alumínio 15.190 kg.
A lista inclui 6.790 kg de plástico e borracha, 4.520 kg de misturas de metais, 4.160 kg de gesso, 3.880 kg de material de isolamento, 1.780 kg de cabos, 1.300 kg de plásticos, 720 kg de cobre, e 480 kg de bronze e latão.
Inicialmente, o projeto da sociedade VianaPolis previa a implosão do prédio, mas a partir de 2018 a desconstrução foi a alternativa escolhida por prever o aproveitamento e a reutilização dos materiais, e causar menos impacto ambiental.
Conhecido localmente como prédio Coutinho, o edifício Jardim foi construído no início da década de 70 do século passado. Tem a sua desconstrução prevista desde 2000, ao abrigo do programa Polis.
O projeto, iniciado quando António Guterres era primeiro-ministro e José Sócrates ministro do Ambiente, prevê para o local a construção do novo mercado municipal.