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A Cooperativa Barcelense de Cultura (CBC), detentora do Jornal de Barcelos, título mais antigo da cidade e cuja última edição foi publicada em 29 de junho passado, aprovou, em assembleia geral, apresentar-se à insolvência. A decisão teve a oposição de três cooperantes, entre os quais o último diretor do semanário, Paulo Vila, alegando que, com a insolvência, os trabalhadores ficam em risco de não verem pagos os salários em atraso. Consideram, ainda, que esta será uma “insolvência culposa”. Em declarações a O MINHO, o adminsitrador único da CBC reconhece que há vencimentos atrasados, mas que não há dinheiro para os pagar, e alega que foram precisamente motivos financeiros que levaram ao encerramento do jornal, rejeitando as acusações de interferências políticas. Entretanto, ambas as partes disputam o registo do nome Jornal de Barcelos.
Na assembleia geral realizada na passada quinta-feira, os cooperantes que detêm a posição maioritária da CBC aprovaram a apresentação da sociedade à insolvência. A medida foi votada favoravelmente por Carlos Pina (administrador único), Duarte Nuno Pinto (presidente da assembleia geral), José Paulo Matias e Manuel Ribeiro.
Por outro lado, a proposta teve a oposição do vice-presidente da assembleia geral, Luís Manuel Cunha, e dos jornalistas Zita Fonseca e Paulo Vila (último diretor do Jornal de Barcelos), que apresentaram uma declaração de voto a que O MINHO teve acesso.
“Consumado o golpe”
Os três cooperantes consideram que, com esta decisão, está “consumado o golpe que pôs fim ao Jornal de Barcelos“, reiterando que este desfecho é ditado por interesses políticos. Na declaração de voto, dizem que a iniciativa de apresentar a CBC à insolvência “contraria em absoluto o inscrito no Relatório da Administração ao Exercício de 2021”, nomeadamente quanto às “perspectivas futuras”.
“Nenhuma outra hipótese de continuidade do Jornal de Barcelos foi discutida, proposta ou, sequer, aceite pelo presidente da Mesa da Assembleia-Geral da CBC – Cooperativa Barcelense de Cultura, CRL, que é o administrador de facto da Cooperativa”, referem, apontando o dedo a Duarte Nuno Pinto, ex-presidente da Assembleia Municipal de Barcelos, eleito pelo PS, entre 2013 e 2017.
“A opção pelo encerramento do Jornal de Barcelos, bem como a data precisa em que este fecharia as portas foi uma iniciativa pessoal e intempestiva do cooperante Duarte Nuno Pinto, presidente da Mesa da Assembleia-Geral da CBC – Cooperativa Barcelense de Cultura, CRL”, salienta a declaração.
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Nela, os três cooperantes reiteram que “os motivos que verdadeiramente subjazem à extinção do Jornal de Barcelos são políticos e não financeiros ou de qualquer outra ordem, porque financeiramente o Jornal de Barcelos há muito que tinha dificuldades e prova disso são os créditos laborais em dívida”.
E defende: “Foram, antes, as notícias, os artigos de opinião e os editoriais relacionados com a condenação por corrupção do vice-presidente da Câmara de Barcelos[Domingos Pereira], assim como aqueles que visaram o prior de Barcelos na sequência de um inexplicável subsídio atribuído pelo Município à paróquia de Santa Maria Maior que precipitaram o encerramento do Jornal de Barcelos“.
“Em momento algum foram acautelados os direitos dos trabalhadores”
A declaração de voto defende, ainda, que, “neste processo, em momento algum foram acautelados os direitos dos trabalhadores da CBC, nomeadamente quanto ao pagamento dos salários em atraso e demais créditos laborais reconhecidos”.
“Até ao momento, o administrador-único da CBC não se dignou prestar qualquer informação sobre o pagamento de tais créditos aos trabalhadores”, pode ler-se ainda na declaração em que Carlos Pina é acusado de, “durante cerca de dois anos (…), nem por uma vez” se ter deslocado “às instalações do Jornal de Barcelos, fazendo sempre a administração à distância, em conluio com o cooperante Duarte Nuno Pinto”.
O três opositores à insolvência consideram que “a decisão de encerrar apressadamente o Jornal de Barcelos foi um ato imponderado que não previu as consequências daí resultantes” e que “estão bem conscientes os administradores de direito e de facto que, a ser declarada a insolvência da CBC, saem fortemente prejudicados créditos de natureza laboral”.
Acrescentam que, “após ter sido comunicado o fim do Jornal de Barcelos, foi admitido de forma irregular, pelo menos, um novo cooperante”.
“Abundam as provas documentais (e outras) que, por certo, levarão a que a insolvência ora pretendida, uma vez declarada judicialmente, possa vir a ser considerada uma insolvência culposa”, conclui a declaração de voto.
“Mau caráter”
Confrontado por O MINHO, o administrador único da CBC começa por assinalar que “eles deveriam divulgar era a ata toda, porque senão não se percebe a declaração de voto deles, porque não se entende o que é o assunto da assembleia”. “Essa é a primeira circunstância que revela o mau caráter deste tipo de gente. Não quero, mas tenho que os catalogar assim, porque nesta reunião, mesmo após a declaração de voto deles, foi-lhes dito que publicassem a ata na íntegra, têm a nossa autorização. Podem publicar a declaração de voto, mas a credibilidade disso é zero, porque ninguém sabe do que se está tratar”, alega Carlos Pina, observando que tal facto “revela bem que eles não estão de boa fé”.
“Procuram arranjar situações para, pura, simples e objetivamente, atacar os outros. Revelam uma falta de caráter impressionante, como jornalistas e até como pessoas. É puro e simples mal dizer”, acrescenta.
O administrador recorda que o jornal vem sendo gerido pelas mesmas pessoas desde 2010, primeiro com uma empresa que se chamava Barcul e ultimamente pela CDC. “Modificou-se a natureza jurídica da empresa para sociedade cooperativa, porque se queria atrair pessoas que entendessem colaborar como cooperantes na definição e consolidificação da situação financeira, que era impossível de estabelecer com os rendimentos que o jornal tinha. Ou seja, só a impressão do jornal custava 800 euros por semana e nós não tínhamos receitas de assinantes nesses valores”, justifica.
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Carlos Pina diz que “o valor dos suprimentos desde 2010 para as empresas Barcul e CBC ultrapassam os 600 mil euros”. “Quem entrou com esses suprimentos foi precisamente quem eles agora acusam de não querer continuar com o jornal [por motivos políticos]. Isto não é verdade. O jornal fechou porque não havia dinheiro. Ponto. Não havia 800 euros para pagar à impressora em Espanha. Já na [empresa] anterior havia continuamente salários em atraso, porque era preciso consultar os cooperantes, que foram continuamente pagando salários”, refere o administrador. E reconhece: “De facto, existem salários em atraso, não se nega”.
Carlos Pina acusa ainda os três cooperantes de nunca terem tomado qualquer “iniciativa para tomarem conta do barco”. “Quando um dos cooperantes que estava a alimentar o jornal deixa de dar o dinheiro, não há outra solução”, aponta Carlos Pina, que responde às acusações de não se deslocar ao Jornal de Barcelos, justificando que controlava o jornal “por via da contabilidade” e com relatórios de faturação que todas as semanas lhe eram enviados.
“Todos tinham conhecimento daquilo que se estava a passar. E criaram a perceção idiota de que foi por razões políticas que o jornal fechou. Não é verdade. É pura e simplesmente mentira, porque, desde 2010, nunca houve qualquer tipo [de interferência], nem uma linha. E às vezes havia artigos que mereciam, digamos, ser chamados à colação por causa da insistência com que se acusavam pessoas, mas nunca foi feita uma abordagem nesse sentido. Portanto, houve liberdade total da redação, de acordo com o espírito do jornal. E sempre foi até ao momento em que teve de fechar”, conclui.
https://ominho.pt/jornal-de-barcelos-sai-com-pagina-em-branco/
Título em disputa
O título Jornal de Barcelos, com 72 anos de história, está agora em disputa entre as partes. Em comunicado enviado a O MINHO, os três cooperantes adiantam que, “depois de anunciado e consumado o encerramento do Jornal de Barcelos, registaram a seu favor no INPI [Instituto Nacional da Propriedade Industrial] a marca ‘Jornal de Barcelos'”.
“Esta decisão resulta do facto da administração da empresa ter permitido que tal direito fosse declarado caducado pelo INPI (BPI de 25/10/2021), o que poderia resultar na perda do seu maior ativo a favor de terceiros”, refere o comunicado conjunto de Paulo Vila, Zita Fonseca e Luís Manuel Cunha.
Questionado por O MINHO, Carlos Pina responde: “Um desses senhores, Paulo Vila, sem que ninguém soubesse, foi fazer o registo da marca Jornal de Barcelos, que pertencia e pertence à empresa, para nos apanhar na curva. Ou seja, para ficarem a ter a posse totalmente ilegal dessa [marca]”.
“Só que tiveram azar, porque nós contestámos isso em tempo e, neste momento, não têm direito a nada”, conclui.
Como O MINHO noticiou, o Jornal de Barcelos fechou no início de julho com a direção a alegar pressões políticas.