Campo de refugiados de Moria sobe ao palco em Viana do Castelo

Foto: Divulgação

O espetáculo “Moria”, do espanhol Mario Vega, estreia-se sexta-feira no Porto, no Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), numa criação imersiva e documental que procura transportar o público para o “pior campo de refugiados da Europa”.

“Moria” tem estreia nacional na sexta-feira às 19:00, no Teatro Carlos Alberto, no Porto, e volta a estar em cena no mesmo dia às 21:00, repetindo no sábado às mesmas horas, além de se apresentar em Viana do Castelo, no Teatro Municipal Sá de Miranda, no domingo.

“Sabíamos, quando começámos a viagem [em 2020], que queríamos falar sobre este conflito com base no conceito de dupla vulnerabilidade. Por um lado, a vulnerabilidade dos refugiados e, por outro, o conceito de mulher refugiada”, explicou, em entrevista à Lusa, o encenador Mario Vega.

Com base nos testemunhos das afegãs Saleha Ahmadzai e Zohra Amiryar e da iraquiana Douaa Alhavatem, foi construída uma narrativa assente nas entrevistas, filmagens e testemunhos que recolheram, experiência imersiva em que as atrizes Marta Viera e Andrea Zoghbi tentam aproximar o público da realidade vivida no campo de refugiados de Morria, na Grécia.

Cada um dos membros da plateia é convidado a entrar numa tenda como as muitas que povoam esse espaço em Lesbos, que ardeu em 2020 e foi então encerrado.

Mario Vega explicou que assim que surgiu a ideia de fazer um trabalho relacionado com refugiados, sabiam que se queriam basear no campo de Moria, “o pior campo de refugiados da Europa”, para o qual a equipa viajou em 2020.

O trabalho de campo incluía Vega e também Valentín Rodríguez (produtor), Nicolás Castellano (jornalista do canal SER) e Anna Surinyach (fotojornalista).

Encontraram um campo com uma “condição deplorável”, concebido para três mil pessoas, mas onde viviam cerca de 25 mil, com “má alimentação, muito pouca higiene”, pouca segurança e descrito por organizações de direitos humanos, como a Human Rights Watch, como uma “prisão a céu aberto”.

Em cena existe uma tenda de refugiados, com lugar para meia centena de pessoas, um dispositivo cénico que retira a opção de se afastarem da experiência, confrontados com a “dura realidade” das duas refugiadas, contada na primeira pessoa.

Durante o espetáculo, gera-se um “compromisso muito especial com o público”.

“O público entra na tenda descalço e gera-se uma vulnerabilidade no espectador, uma ligação, porque olham para os seus pés, para a sua pele e acabam por tocar na manta onde estão [sentados] e há um momento em que o jogo se quebra, o conceito de teatralidade passa a ser uma espécie de realidade”, considerou o encenador.

Segundo Mario Vega, estas características fazem com que exista uma “comunhão entre os espectadores e as atrizes”, e a dureza levou a que poucas foram as ocasiões em que se ouviram aplausos no final.

“O público acaba por ficar em choque depois de viver a experiência e praticamente não aplaude. Simplesmente, em sinal de respeito, fica na barraca durante algum tempo e depois começa gradualmente a sair”, contou.

O encenador da companhia Una Hora Menos, que trabalha há anos com questões sociais e “grandes conflitos”, como a crise migratória ou a guerra na Ucrânia, tema de uma próxima criação, notou ainda a perceção distinta consoante os territórios.

Se na Colômbia foi o espectro das FARC a suscitar uma reação no público, em outros países da América Latina o gatilho era outro e, em Espanha, Mario Vega lembra “os maus-tratos” dos governos europeus.

Os mortos a tentar atravessar o Mar Mediterrâneo vindos de África e da península árabe, a fugir da guerra ou outras crises, e o duplo critério que o encenador apelida de “racismo” quanto aos refugiados ucranianos, acolhidos com um “espírito de solidariedade europeia”, que nem sempre esteve presente para os primeiros, é outra questão que denunciam.

“Este jogo de moralidade que estamos a jogar, como sociedade europeia, é uma coisa vergonhosa, e penso que serão precisos anos para tomarmos consciência dos danos que estamos a causar. […] Uma guerra não pode afetar-nos mais do que outra. A Ucrânia não pode ser mais grave do que a situação dos palestinianos”, disse.

 
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