A ASPA (Associação para a Defesa Estudo e Divulgação do Património Cultural), representada nesta entrevista, por Armando Malheiro, presidente da associação, Alexandre Basto, Francisco Sande Lemos e Teresa Barbosa, avalia, entre outras coisas, o novo plano de urbanização das Sete Fontes, em Braga, e explica como ocorreu o processo de classificação do monumento.
Como a ASPA avalia e interpreta o projeto de construção do parque das Sete Fontes?
O mérito da iniciativa é inegável. De entre as múltiplas soluções, a escolha pela tipologia de parque urbano parece ser a que melhor se ajusta às circunstâncias, dada a ocupação relativamente densa de grande parte do seu entorno. Dado este primeiro passo é, no entanto, preocupação da ASPA a intensidade e a qualidade da articulação do futuro parque com a envolvente próxima e, principalmente, com a cidade no seu todo. Com efeito, a forma como se realizou a expansão para aquela zona, de forma casuística e quase anárquica, sem regras e qualidade urbanística, dificulta em muito uma boa relação com a cidade.
Não existe rede viária estruturada, não há artéria nenhuma que possa vir a suportar uma relação física com a restante malha urbana e desconhece-se qual é a política do Município numa escala que se estenda para além das imediações do Parque. Entendemos que o sucesso do Parque das Sete Fontes depende em grande medida da qualidade da sua integração na cidade.
Por outro lado, a ASPA tem esperança de que a criação deste parque sirva de mote e, até, de modelo para a criação de outros, maiores ou menores, que possam vir a gerar um conjunto de espaços de dimensão significativa, que constituam um sério contributo para uma transformação de Braga, pela introdução de elementos de atração, de equilíbrio e requalificação do seu corpo, bem como da articulação com a envolvente e as áreas de expansão. Importa, também por isso, um resultado de excelência na criação do Parque das Sete Fontes.
Qual foi a grande luta da ASPA no processo de classificação das Sete Fontes?
O processo teve início em março de 1995, com a proposta de classificação do Complexo das Sete Fontes, submetida pela ASPA à tutela. A abertura de processo, por parte da DRCN, é de abril desse mesmo ano. Desde então a ASPA pressionou a DRCN e alertou a opinião pública através da coluna Entre Aspas (Diário do Minho). Destaca-se um texto publicado a 17 de abril de 2000, no qual se denunciou o risco a que estava sujeito o monumento, devido ao projeto de revisão do PDM (Braga) em curso, o qual “põe em causa não só a sustentabilidade, como a preservação do complexo de abastecimento de água à cidade de Braga do século XVIII, denominado Sete Fontes”.
O alerta da ASPA não foi ponderado pelo Governo vigente, o que foi um golpe terrível (2001). O Despacho de homologação, pelo Ministro da Cultura, de 29 de maio de 2003, fez renascer a luta. Seguiram-se intervenções junto da tutela do património, no sentido de formalizar a classificação, mas sem resultado.
A ASPA integrou, pois, o movimento de cidadãos que organizou a Petição “pela Salvaguarda das Sete Fontes”. Reunindo 6.000 assinaturas a petição teve bom acolhimento na Assembleia da República, a qual recomendou ao Governo a classificação urgente do monumento (2010). O Decreto Lei, registrando as Sete Fontes como Monumento Nacional, só foi publicado em Diário da República, em 2011, 16 anos depois do envio da proposta da ASPA.
A Câmara de Terras de Bouro e a CCDR querem eleger a Geira Romana a Património da Humanidade. Qual o estado das geiras no concelho de Braga?
O trajeto da chamada Geira, ou Jeira, cujo nome original era VIA NOVA, está bem estabelecido no centro da cidade (ruas do Chãos e de S. Vicente). A partir daqui há a considerar várias hipóteses, sem que seja possível decidir qual delas é a mais provável. Existiriam variantes, o que era habitual na área de influência das urbes de grande dimensão como Bracara Augusta. Uma delas seguia ao longo da vertente norte do Vale das Sete Fontes, daqui descendo a Adaúfe, dirigindo-se em seguida para o Cávado, que seria atravessado em barca. A proposta da candidatura da VIA NOVA em Terras do Bouro tem hipóteses de ter êxito pois no território do antigo Império Romano será talvez um dos traçados melhor conservado de caminho romano em contexto de montanha de clima oceânico e floresta atlântica. Já o trajeto no concelho de Braga não justifica o estatuto de Património da Humanidade, ainda que o sector entre as Sete Fontes e Adaúfe devesse ser classificado. Foi apresentada à DRCN uma proposta nesse sentido, em 2003, mas a CMB conseguiu que fosse arquivada.
A zona dos Galos está sob a mesma legislação que o centro histórico. O que pensa a ASPA sobre essa “aldeia” na cidade?
Isso mesmo: é uma aldeia no miolo da cidade. Uma estrutura com características muito próprias em meio urbano e que, como tal, deve ser preservada e integrada sem que perca a sua originalidade.
Como será possível melhorar a visibilidade do coletivo patrimonial de Braga?
Com informação e perceção. O património está à frente de todos, mas nem todos o veem e apenas poucos o compreendem. O conhecimento é fundamental para a relação das pessoas com a sua cidade.
Qual a importância para a população bracarense da preservação e valorização do Património Histórico e Cultural da cidade?
Da forma como o património tem sido tratado em Braga, há décadas, parece que tanto as entidades responsáveis, como a população no geral, se alhearam da sua memória coletiva. No entanto, a ASPA nasceu e logrou sobreviver, contra todas as adversidades, convicta de que a preservação do património e a revitalização da memória coletiva é fundamental para o futuro de Braga e dos bracarenses.
A ASPA tem contribuído, ao longo das últimas décadas, para a conservação do património. Alertou, inúmeras vezes, para atentados que o colocaram em risco ou levaram à perda de bens classificados. Em 2021, tudo indica que parte da população valoriza o património construído e ambiental e está sensível a esta temática. Assim, espera-se que a defesa e valorização do património local seja inscrita nos programas eleitorais, nas próximas eleições autárquicas. E vença, quem vá para além das promessas, admitindo-se que a nova Assembleia Municipal poderá ter uma intervenção decisiva.