A pandemia arrastou para a indigência económica jovens famílias, imigrantes em Portugal, e portugueses no estrangeiro. Em Braga, a comunidade brasileira é um dos grupos sociais mais afetados. Processos de legalização demorados, rendas exorbitantes e um difícil acesso ao mercado de trabalho estão na base do problema.
A família de Regina Reis, chegada do Brasil no início deste ano, tipifica o exemplo, a pandemia congelou-lhes a vida: “É uma situação complicada. Vim do Brasil com o meu marido e os meus três filhos, o meu marido está desempregado e agora eu consegui começar a trabalhar num restaurante, mas até então não tínhamos nada”.
A família Baiana, para conseguir arrendar uma casa na cidade dos arcebispos, foi forçada a pagar, por um T3, 6 rendas adiantadas, no valor de 600 euros cada. A mesma família que, no início do ano, possuía economias suficientes para emigrar e pagar 3.600 euros de rendas, agora recebe ajuda alimentar, roupa e material escolar do projeto Virar a Página.
O número de histórias semelhantes multiplica-se exponencialmente desde o início do ano.
“Há famílias que, após meses de espera, ainda não se conseguiram legalizar”
Isabel Pontes, voluntária do Virar a Página, relata situações de dezenas de famílias brasileiras que perderam os rendimentos devido à pandemia e a quem a instituição Virar a Página presta apoio. “Há famílias que após meses de espera, ainda não se conseguiram legalizar, ou perderam os empregos precários, na restauração, e que agora, sofrem imenso com a perda de rendimentos. Trabalhadoras sexuais, sem condições de sobrevivência, a quem foram aumentadas as rendas durante a pandemia, enfim. A lista é interminável”, desabafa a voluntária a O MINHO.
Helena Pina Vaz, coordenadora do projeto, reafirma: “Há pessoas que, nas cartas de Natal deste ano, nos estão a pedir de presente a legalização ou o trabalho. É importante salientar, também, que assim como ajudamos dezenas de famílias imigrantes, também muitos fazem parte das nossas fileiras de voluntários”.
O projeto Virar a página apoia cerca de 300 famílias diariamente, com alimentos, roupas e materiais escolares.
Indigência em Portugal aumenta brutalmente
A Linha 144, Linha Nacional de Emergência Social, recebeu mais chamadas nos primeiros seis meses do ano, do que em qualquer ano anterior. As mulheres são a principal silhueta da pobreza em Portugal. A pandemia arrastou famílias, emigrantes e imigrantes para a indigência económica, por todo o país.
A Linha Nacional de Emergência Social, 144, é utilizada em situações de extrema pobreza. Recebeu mais chamadas nos primeiros seis meses deste ano, do que em qualquer ano a partir de 2015. Tocou 167 mil vezes. Um aumento exponencial, em comparação com o ano anterior, que, em doze meses, registrou 101 mil pedidos de apoio. As áreas do país com mais solicitações são Lisboa, Porto e Setúbal, seguidas de Faro, Coimbra e Braga.
O perfil dos requerentes da linha 144, pessoas sem teto ou em condições de pobreza agravada e no limiar da sobrevivência, alterou-se. As famílias, em graves dificuldades económicas, passaram a ser os principais requerentes da linha 144, nos primeiros seis meses de 2020. Apesar do número de pedidos a título familiar superar, o número de pedidos a título individual, a mulher solteira continua o grupo individual e social mais vulnerável no país.
A Segurança Social revela que alguns prisioneiros, incluindo, possivelmente, reclusos a quem o Governo prestou amnistia nos alvores da pandemia, saindo em liberdade, mas sem acolhimento por parte das suas famílias, ou sem famílias para os acolher, radicaram na pobreza extrema. Cidadãos portugueses no estrangeiro e cidadãos estrangeiros em Portugal, partilharam o mesmo fado. A violência doméstica, parceira a jusante da pobreza, sofreu um aumento significativo desde o início do ano.
Nas palavras da instituição, “cresceram as situações de pessoas a quererem regressar aos seus países e neste sentido foram desencadeadas respostas de emergências, bem como de cidadãos portugueses a regressarem a Portugal em situações de grande vulnerabilidade. Somou-se a situação dos reclusos que saíram em liberdade, e que muitas vezes não tinham rede de suporte, ou a sua rede não os acolhia. Por fim, no contexto de intervenção de emergência, houve um aumento dos casos de violência doméstica.”.
O brutal aumento de afluência à LNES (Linha Nacional de Emergência Social), 144, obrigou a linha, segundo a Segurança Social, a reforçar-se no terreno: “A LNES foi reforçada com Equipas Distritais de Emergência, assegurando mais uma porta de entrada no sistema sobretudo para os pedidos de apoio social e ajuda alimentar”.
Linha 144
A linha 144 acudiu, direta ou indiretamente, desde 2015, a cerca de 75.000 portugueses, que beiravam a pobreza extrema e, impediu que se prolongasse situações de sem abrigo ou mendigagem em Portugal. A Segurança Social financia 8 Centros de Alojamento de Emergência Social e 931 camas em Centros de Alojamento Temporário. A linha funciona 24 horas e está aberta a qualquer pessoa em Portugal: 144, Linha Nacional de Emergência Social.
Banco Alimentar
O flagelo do desemprego e do emprego precário provocou um aumento substancial no número de pedidos de apoio alimentar. O Banco Alimentar recebeu em três meses 60 mil novas solicitações de apoio, contra a fome. “Entre março e abril, recebíamos cerca de 350 novos pedidos de alimentação por dia. Sentimos um acréscimo enorme desde o início da pandemia”, afirma a O MINHO Isabel Jonet, presidente da instituição.
A instituição recebia, anteriormente à pandemia, uma média de 50 pedidos diários. O Banco Alimentar alimenta 440 mil Portugueses diariamente.
Isabel Jonet refere que a instituição está a apoiar “famílias da classe média/baixa, com a vida financeira, anteriormente, organizada, com filhos e em idade laboral. Pessoas que estão a enfrentar a pobreza pela primeira vez”.
A presidente do Banco Alimentar acredita que as perdas de rendimentos, derivadas do lay-off e dos empregos precários ou sem vínculo contratual, incapacitaram muitas famílias. Isabel Jonet sublinha também o papel dos imigrantes nos novos indigentes em Portugal.