Bombeiros da capital apagam incêndios em Viana

16 bombeiros de Lisboa reforçam Viana durante três meses
Foto: Fernando André Silva / O MINHO

Dizem que os bombeiros de todo o mundo falam a mesma língua. Pelo menos os de Portugal falam. E a falta de meios humanos para o extenso território florestal de algumas áreas levou a que a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) mobilizasse para Viana do Castelo duas brigadas de 16 bombeiros vindos das cidades de Lisboa e Loures, para efetuar serviço durante três meses.

O MINHO esteve em Arcos de Valdevez e juntou à mesa cinco comandantes e um representante de comando para saber um pouco mais desta missão que iniciou em 2017 mas é ainda desconhecida do grande público.

Foto: Fernando André Silva / O MINHO

A ideia foi gerada quando Marco Domingues, comandante operacional distrital (CODIS) e Paulo Barreiro – 2.º CODIS de proteção civil reuniram os diversos comandantes de corpos de bombeiros do distrito para perceber qual o maior problema para os bombeiros da região. Resultado: Os cerca de 700 bombeiros existentes em todo o distrito não são suficientes.

Os dois responsáveis sugeriram a hipótese de existir um reforço no combate a incêndio vindo de outro distrito. O comando nacional analisou e aceitou a ideia, indicando o distrito de Lisboa como sendo o que tem mais bombeiros e o ideal para reforçar Viana do Castelo em período de incêndios, dada as poucas ocorrências de incêndio na urbe lisboeta.

2.º CODIS Paulo Barreiro e CODIS Marco Domingues. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

E assim surgiu a Brigada Javali, composta por 14 elementos, devidamente formados no combate a incêndios florestais, vindos do corpo de bombeiros de Beato e Penha de França [Lisboa], que ficam em permanência durante três meses entre Arcos de Valdevez e Ponte da Barca, atuando em todo o distrito. Também de Camarate participam dois bombeiros com autotanque, mobilizados em Valença, com a missão de abastecer os veículos de combate a incêndio mas também a fazer trabalho de sapa, caso necessário.

Metade dos elementos da Brigada Javali com Pedro Guerreiro representante dos Bombeiros de Camarate. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

O convite

O comandante da corporação da capital, Mário Ribeiro, também integra a brigada que deixa família e amigos durante três meses para combater as chamas no Alto Minho. Explica que o convite surgiu por parte do comando nacional da ANEPC em 2017 e que foi prontamente aceite. “Decidi que, sendo comandante, teria de integrar a equipa e em reunião de corpo ativo divulguei o convite e surgiram vários bombeiros com disponibilidade em aceitar o desafio e isso fez com que avançássemos, sem comprometer o socorro em nossa casa”, conta.

Comandante Mário Ribeiro. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

O acordo foi de três meses em permanência, sem rendição, para ser feito “um trabalho como deve ser”, explica Mário Ribeiro. “Agarrámos nas malas em 2017 e agora vimos todos os anos se Viana assim o entender”, diz. Mas não se pense que estão cá para férias. Os 16 elementos mobilizados das duas corporações lisboetas realizaram, desde julho, primeiras intervenções em dezenas de incêndios rurais. E nenhum deles necessitou de ataque ampliado [quando um incêndio fica fora de controle e são necessários vários reforços].

Em troca do voluntariado, os bombeiros do Beato e de Camarate recebem formação neste tipo de incêndios, oportunidade que não dispõe na capital. “Achei que seria uma experiência inédita para os bombeiros combaterem incêndios nascentes, de forma a aprenderem a ler um incêndio e ter uma visão desde o início e saber dominar um incêndio no seu princípio, porque lá é só incêndios em quintais ou então quando somos mobilizados para grandes incêndios florestais na região estes já estão descontrolados”.

O comandante de Beato e Penha de França tem notado “evolução” nos seus bombeiros, fruto do ataque aos incêndios menores. “De há três anos para cá os elementos têm ganho um grande know how que contraria a tendência de afirmarem que o pessoal da cidade não percebe nada de incêndios”, explica Mário Ribeiro, indicando que “hoje em dia falámos todos a mesma língua e estamos bem inseridos em qualquer corpo de bombeiros que vá combater incêndios”.

Conta ainda que sete elementos ficam a dormir em camaratas no quartel de Arcos de Valdevez e outros sete ficam no quartel de Ponte da Barca. “A verdade é que aqui temos melhores condições do que no nosso quartel, onde nem camas temos”, desabafa. “Lá dormimos no chão”. A questão da falta de condições no quartel que serviu durante décadas os bombeiros de Beato e Olivais é antiga, existindo planos para um novo quartel apoiado pela Junta de Freguesia de Penha de França, daí a mudança recente de nome para Beato e Penha de França.

Recebidos de braços abertos

Filipe Guimarães, comandante dos Bombeiros Voluntários de Arcos de Valdevez, diz “tirar o chapéu” aos dois responsáveis pelo comando distrital pela iniciativa. “Fui dos primeiros a pedir reforços quando me explicaram a ideia, e esta ideia só poderia vir de alguém que veio do mundo dos bombeiros e não de um qualquer gabinete com ar condicionado”, diz.

Apesar do aumento do número de bombeiros no CB de Arcos de Valdevez para perto de 70, o comandante sublinha que “se alguém vem para ajudar, só tenho de abrir as portas”. E a necessidade de reforço existe. “Arcos de Valdevez ocupa cerca de 25% da área do distrito, 70% é floresta e 35% é área de parque nacional [Peneda-Gerês]. “Costumo dizer que aqui é o caldeirão do distrito, onde há maior parte do número de ocorrências a par de Ponte de Lima”, expõe.

Comandante Filipe Guimarães. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

E Filipe Guimarães não teve receio que os bombeiros da cidade não se adaptassem ao terreno acidentado do Alto Minho. “O principio de formação do bombeiro voluntário é igual para todos e tive a sorte desta equipa não virar as costas ao desafio nem às dificuldades, mostrando que o nome Brigada Javali se adequa ao nosso território”.

O comandante aponta ainda uma evolução ao longo dos últimos três anos da brigada em Arcos de Valdevez, classificando-os já como “gente da casa”. “Muita gente é bombeiro, faz ocorrências mas não evolui, mas os comandantes distritais tiveram interesse em evoluir, assim como os bombeiros de Beato e Camarate, neste caso”.

Filipe Guimarães conta ainda que “à conta deste intercâmbio”, os seus bombeiros receberam uma formação de resgate em grande ângulo, já que o comandante Mário, de Beato e Penha de França, é formador na Escola Nacional de Bombeiros.

Pedro Guerreiro (BV Camarate) e comandante Miguel Lourenço [BV Valença]. Foto: Fernando André Silva / O MINHO
Para Valença, foi mobilizada uma brigada de dois elementos que vão alternando entre si a cada semana, embora Pedro Guerreiro, bombeiro representante dos Bombeiros de Camarate, já esteja pelo Alto Minho há duas semanas.

Este explica que inicialmente, em 2017, houve algumas dúvidas sobre como seria a experiência, mas que o desafio foi encarado como “um ato de evolução”. “Apanhar o incêndio nascente permite outra leitura que é algo que falta aos corpos de bombeiros das cidades. Isto para nós é uma evolução muito grande”.

Embora a função dos bombeiros de Camarate seja o abastecimento de outros veículos de primeira intervenção, isso não impede que possam dar uma ajuda no “trabalho de sapa”. “Estamos em Valença por ser uma área crítica mas vamos para onde somos solicitados”, esclarece.

E o comandante dos Bombeiros Voluntários de Valença, Miguel Lourenço, concorda com a importância da ajuda destes bombeiros da cidade. “Esta foi uma forma encontrada de reforçar equipas e aceitamos de bom grado. O primeiro ano, em 2017, os resultados foram espetaculares, mas tínhamos mais meios. O ano passado não vieram [Camarate reforçou Monção] mas este ano já podemos contar com esta pequena equipa”, salienta. “Aqui saímos em simultâneo, trabalhamos do zero e isso é positivo porque somos todos bombeiros e trabalhamos todos para o mesmo”.

Miguel Lourenço conta ainda que, em 2018, sete bombeiros de Valença foram a Camarate receber três dias de formação em desencarceramento, dada a muita experiência dos bombeiros lisboetas nessas ocorrências. “Nós ensinamos novas técnicas nos incêndios e eles ensinam-nos novas técnicas nas emergências”, destaca.

Pedro Guerreiro [Camarate], Mário Ribeiro [Beato e Penha de França], Filipe Guimarães [Arcos de Valdevez], Miguel Lourenço [Valença] Marco Domingues [CODIS] e Paulo Barreiro [2.º CODIS]. Foto: Fernando André Silva / O MINHO
Paulo Barreiro, 2.º CODIS, explica que no distrito o ataque é deficitário dada a falta de bombeiros mas que esta ligação entre vários corpos de bombeiros “é por si só grandiosa”. “Nestes três anos a evolução foi notória e agora estes corpos de bombeiros já são uma grande família, criaram laços e partilham a mesma camisola”.

“O nosso distrito este ano tem sido ajudado por Beato e Camarate, mas também já foi em anos anteriores por Fanhões, Oeiras, Loures, Sacavém ou Paço de Arcos. A experiência é muito boa e todos os corpos de bombeiros do distrito estão gratos por este apoio a Viana do Castelo.

Já o 1.º CODIS, Marco Domingues, salienta o esforço financeiro das autarquias que pagam toda a alimentação destes bombeiros e da ANEPC que dá um contributo monetário por cada 24 horas de serviço. “Era o mínimo que se podia fazer a quem nos vem ajudar, a quem está deslocado durante 3 meses, como é o caso do Beato. Também os gastos energéticos são totalmente suportados pelas associações de bombeiros”.

“A ideia tem resultado mas não sabemos se dá para implementar a um nível mais global. Será que se todos pedirem reforços não vão ficar outros distritos sem conseguir suprimir as necessidades?” questiona Marco Domingues.

No entanto, em Viana tem funcionado, até porque existe uma maior necessidade no reforço de ataques iniciais para evitar a necessidade de um ataque ampliado [envolve ainda mais meios vindos de todo o país]. Este ano o reforço tem sido suficiente, assim como no ano passado, e todos estão de acordo que “a evolução tem sido positiva”.

Assim, até setembro, a população do distrito de Viana do Castelo pode contar com estes homens e mulheres vindos do distrito de Lisboa que já vestem a camisola pelo Alto Minho provando que todos os bombeiros “falam a mesma língua”.

 
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