Abusos sexuais entre crianças

João Ferreira Araújo. Foto: Joaquim Gomes / O MINHO

ARTIGO DE OPINIÃO

João Ferreira Araújo

Advogado


Tenho-me deparado nos últimos meses com diversos processos de abusos sexuais de crianças, sendo que alguns deles alegadamente praticados por menores. Tradicionalmente, o crime de abuso sexual de crianças era rotulado como um crime cometido exclusivamente por adultos.

Nos últimos anos esta realidade tem-se, contudo, alterado e modificado. Existem agora cada vez mais abusos sexuais sobre crianças, praticados por, também eles, crianças.

Estudos realizados na década passada, demonstram que 20% de todas as agressões sexuais e de 20% a 50% dos abusos sexuais sobre crianças e adolescentes são cometidos por menores.

Em Portugal, a responsabilidade penal nasce a partir dos 16 anos de idade, sendo inimputáveis todos aqueles que tenham uma idade inferior a esta, só quem tiver 16 anos ou mais é que pode ser objeto de um processo crime.

Assim sendo, quando o abuso sexual é praticado por um menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, ser-lhe-á aplicada uma medida tutelar educativa. Estas medidas, previstas na Lei Tutelar Educativa, podem ir de uma simples admoestação até ao internamento em centro educativo, sendo estas medidas aplicadas por ordem crescente de gravidade.

Não é fácil distinguir comportamentos ou detetar sinais que possam indicar que uma criança esteja a ser abusada sexualmente por outra criança, ou que, pelo contrário, a criança esteja a abusar sexualmente de outra criança.

Devemos diferenciar o que pode ser considerado um comportamento de exploração sexual saudável e o que é considerado um comportamento sexual abusivo pois, por norma, as crianças que são vítimas daquele abuso remetem-se ao silêncio.

Havendo esta dificuldade de distinguir entre um comportamento sexual normal e um abuso sexual, quais os critérios que deverão ser tidos em conta na análise de casos de possíveis abusos sexuais entre crianças? Um dos critérios é a idade, sendo considerado abuso sexual quando, entre ambas existe, em regra, uma diferença de pelo menos 5 anos de idade. Quanto maior for a diferença de idades, maior será a probabilidade de haver abuso.

No entanto, este critério deverá ser conjugado com outros, pois nem sempre se verifica a diferença de, pelo menos, 5 anos. Por vezes uma diferença de 2 ou 3 anos de idade pode ser o bastante para se verificar abuso sexual menores. 

Deverá assim o critério de idade ser conjugado com o critério da subordinação. Quando estamos perante crianças da mesma idade ou idades relativamente próximas, deverá perceber-se se uma tem um ascendente sobre a outra ou se, pelo contrário, se verifica uma situação de paridade entre elas.

Para além destes critérios, subordinação e idade, deveremos atender ao critério de desenvolvimento cognitivo-afetivo, ou seja, a existência de uma diferença significativa no desenvolvimento de cada criança.

Assim, deve ser avaliado o desenvolvimento da maturidade de ambos os menores de forma a perceber se houve uma manipulação de um sobre o outro.

É da ponderação de todos estes critérios que o tribunal poderá aferir da existência da prática de um comportamento sexual abusivo por parte de um menor em relação a outro.

As situações de abuso sexual têm repercussões imediatas e a longo prazo na vida da criança que sofreu abuso, interferindo na forma como se sente, física e emocionalmente, como se relaciona consigo e com os outros à sua volta, apresentando quadros de grande fragilidade e vulnerabilidade consigo mesma e na forma como interage com os outros.

As crianças agressoras apresentam igualmente sintomas de fragilidade psicoafetiva, dificuldade no relacionamento interpessoal, provindo muitas vezes de ambiente familiar em que domina um contexto disfuncional, onde, e não raras vezes, existem episódios de clara violência doméstica, a que acrescem por norma comportamentos abusivos e agressivos, por parte de um ou de ambos os progenitores, determinando assim que o menor minimize tais comportamentos.

Infelizmente todos os dias desperdiçamos oportunidades de prevenir o abuso sexual devido a falta de informação, estereótipos e preconceitos.

Sendo que a maior parte dos abusos sexuais continuam por reportar e sabendo que em 2015 se registaram 215.000 crimes de violência sexual na Europa, e que um em cada cinco crianças europeias são vitimas de alguma forma de violência sexual, é bastante provável que todos conheçamos alguém que sofreu abuso sexual e alguém que tenha perpetrado abuso sexual.

Apenas nas últimas décadas, começamos a reconhecer a prevalência do abuso sexual e do abuso sexual de crianças, bem como os seus múltiplos impactos nas vitimas e nas comunidades.

Falar sobre este tema não é fácil, denunciar as nossas preocupações com o comportamento de alguém, menos ainda.

Mas aprender mais sobre o tema, falar sobre ele e partilhar preocupações, pode ajudar a proteger uma criança, jovem ou adulto ou a fazer diferença na sua vida.

 
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