ARTIGO DE VANDA SOARES
Membro do secretariado concelhio das Mulheres Socialistas – Igualdade e Direitos de Braga. Coordenadora do Grupo de Trabalho para a Violência e Assédio das Mulheres Socialistas – Igualdade e Direitos da Concelhia de Braga.
A crise pandémica veio acentuar não apenas as desigualdades sociais como também a violência exercida contra as mulheres. Analisando o período entre março e maio de 2020, segundo relatório publicado pela UMAR[1], 4 mulheres pereceram vítimas de violência e 9 foram vítimas de tentativa de homicídio, número ligeiramente superior face ao período homólogo em 2019.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a violência como “o uso intencional de força física ou poder, ameaçado ou real, que resulta em ou tem alta probabilidade de resultar em ferimentos, morte, dano psicológico, desenvolvimento deficiente ou privação”.
Por que é que devemos continuar a debruçar-nos sobre este tema? Olhemos para os números. Na UE 1 em cada 3 mulheres já foi vítima de violência física ou sexual desde os 15 anos. Além disso, 1 em cada 10 já foi vítima de assédio sexual ou perseguição através das novas tecnologias.
Reconhecendo a relevância destes números, em 2011, foi lançado o primeiro instrumento legal internacional nesta matéria pelo Conselho da Europa – a Convenção de Istambul. Os Estados parte comprometem-se a adotar uma “abordagem transfronteiriça para alargar a sua jurisdição de forma a cobrir crimes cometidos no estrangeiro pelos seus nacionais”. Esta Convenção merece destaque por identificar as principais lacunas na legislação relativa ao combate à violência de género e por propor melhores práticas. 21 dos 27 Estados-Membros da UE já ratificaram este instrumento, tendo Portugal sido dos primeiros a fazê-lo.
Em Portugal, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2019[2] houve um crescimento de 11,4% dos casos reportados (cerca de 3000) face ao ano anterior. Braga foi a quinta cidade com mais ocorrências registadas (cerca de 2000). Ainda reportando aos números, 76% das vítimas são mulheres e 82% dos denunciados são homens. Outra importante reflexão prende-se com o seguinte: dos 32.235 inquéritos apenas 5.234 resultaram em acusações. Facto que nos leva a ponderar se as vítimas desistem do processo a meio por medo ou ineficácia da resposta judicial. O que nos impele a insistir na informação e sensibilização para esta temática.
Devemos ter em consideração que esta conjuntura se inicia na juventude. Como? Permitindo comportamentos abusivos, por exemplo: controlar o telemóvel, influenciar a roupa que a/o jovem veste, com quem se pode relacionar, culminando em atos de violência física e verbal.
O Estudo Art’themis 2020+ revelou que 58% dos jovens que namoram ou já namoraram sofreram pelo menos uma forma de violência perpetrada pelo seu atual ou ex-companheiro. Mais alarmante ainda é a conclusão de que 67% dos jovens consideram como natural algum dos comportamentos violentos, particularmente da violência psicológica.
Face à realidade percecionada cresce a relevância das ações preventivas e de apoio às vítimas promovidas por associações como a APAV e a UMAR. A vítima de violência pode recorrer a estas entidades de forma anónima e gratuita. Entrando em contacto por qualquer um destes meios: mensagem, chamada, e-mail ou através da aplicação VD.
Esta tem sido uma prioridade na linha de ação dos sucessivos governos nacionais, sendo que em abril próximo, por ocasião da PPUE será organizada uma conferência comemorativa do 10.° aniversário da Convenção de Istambul. Nesta iniciativa haverá oportunidade para fazer um balanço, tendo em mente os desafios provocados pela Covid 19 e a premência em acabar com todas as formas de violência contra mulheres e raparigas.
Em 2019 morreram 31 mulheres vítimas de flagelo, não vamos deixar que estes números continuem a aumentar.
[1] União de Mulheres Alternativa e Resposta
[2] O RASI de 2020 ainda não foi publicado.