A Reforma da Justiça

João Ferreira Araújo. Foto: Joaquim Gomes / O MINHO

ARTIGO DE OPINIÃO

João Ferreira Araújo

Advogado

Aquando das eleições de 10 de março, todos os partidos com assento parlamentar apresentaram propostas no sentido de procederem a uma reforma profunda da Justiça, que não apenas introduzindo melhorias pontuais, porquanto a morosidade e complexidade da atuação da Justiça prejudicaram o país, os cidadãos e a economia.

No total, nos programas dos partidos com assento parlamentar, foram 23.700 palavras dedicadas em concreto ao tema da Justiça.

Será que avançaremos de facto para a reforma necessária da Justiça? Ou, mais uma vez, serão tomadas algumas medidas pontuais que não irão alterar praticamente nada. A ver vamos.

No setor da Justiça há muito que os diagnósticos foram feitos, sendo relativamente consensual as áreas que impõem uma intervenção mais imediata, a gestão dos tribunais e a aceleração e simplificação da Justiça.

Esta aceleração e simplificação passará necessariamente pela implementação de medidas concretas nos nossos tribunais, que permitam a agilização dos processos pendentes, a fim de se ultrapassar a estagnação gerada por múltiplas causas, entre as quais, a mais recente, relacionada com a suspensão dos processos judiciais durante a pandemia.

Importa reforçar os tribunais com os meios tecnológicos necessários à realização de audiências virtuais, com todas as garantias processuais asseguradas, o que tornaria o acesso à Justiça mais ágil, menos oneroso e, por isso, ao alcance de mais cidadãos.

Deve ser implementada a figura do coadjutor de magistrado judicial, a fim de que cada juiz possa ter assessoria individualizada na análise e preparação dos processos e no estudo e pesquisa necessários para a elaboração de sentenças, o que diminuiria certamente o tempo de espera por uma decisão judicial.

Impõe-se a utilização de ferramentas tecnológicas, incrementando cada vez mais a digitalização dos processos, tornando, assim, o processo mais próximo e acessível a todos os agentes e a simplificação e clareza das leis, evitando complexidade, ambiguidade e contradição na sua interpretação e aplicação que alimentam recursos desnecessários e infindáveis discussões doutrinais e jurisprudenciais.

Deve haver uma maior especialização dos tribunais, com reforço da competência e valência dos magistrados, o que além do mais trará celeridade e garantia de maior qualidade das decisões.

As peças processuais devem ser limitadas na sua extensão, como, aliás, acontece com vários países e já sucede nas instruções para apresentação de peças no Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como exigir a apresentação de toda a prova desde o início do processo, desde documentação a depoimentos testemunhais vídeo-gravados.

Além disso, devem ser estabelecidos prazos máximos para a resolução dos litígios e, caso não sejam cumpridos, permitir aos intervenientes processuais iniciar arbitragem obrigatória, de molde a promover uma maior celeridade e eficiência dos mesmos.

Na esfera da Justiça Penal, abolir ou restringir a fase da instrução a uma revisão da decisão de acusação por um Juiz, sem produção de prova adicional, bem como criar regras processuais que desincentivem a criação de mega processos, facilitando a separação da investigação em diferentes processos que se consigam gerir mais facilmente, impedindo assim que se verifique a prescrição de inúmeros crimes, atento o tempo que estes processos demoram a serem tramitados e concluídos.

Os processos não podem nem devem continuar a demorar dez, quinze anos, ou por vezes mais, sob pena de a Justiça ser uma mera palavra vã e perder-se qualquer efeito útil na aplicação da mesma.

Seria ótimo que os partidos políticos deixassem de estar mais preocupados em acompanhar a agenda mediática do que em solucionar os problemas reais que afetam a justiça em Portugal, sendo certo e aceitando que a corrupção o branqueamento de capitais ou o tráfico de influências, são áreas de extrema importância, pelo impacto que têm na sociedade e na confiança dos cidadãos nos políticos, nos órgãos de soberania ou nas instituições.

Há, contudo, uma tendência generalizada para que esses temas monopolizem os programas políticos, deixando de lado outros problemas igualmente graves que efetivamente comprometem o acesso à Justiça.

Acredito que, e face ao estado calamitoso da Justiça, possam estar reunidos os pressupostos para estabelecer um amplo consenso democrático fundado nos princípios e valores da Constituição, no sentido de melhorar e acelerar os métodos de funcionamento da Justiça e renovar assim, a sua legitimidade pública e, consequentemente, a imagem de retidão e independência que ela deve merecer aos cidadãos portugueses.

 
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