Os profissionais invisíveis do Hospital de Guimarães

Reportagem

O Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, serve um universo de 300 mil pessoas. Num dia normal, antes da pandemia, atendia 500 pessoas por dia nas urgências, um número muito próximo do Hospital de São João, no Porto. Em tempo de pandemia, no pior momento da segunda vaga, o HSOG teve 207 pessoas internadas com covid-19, para um universo total de pouco mais de 490 camas. Para que os médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, auxiliares e outros profissionais que normalmente relacionamos com os cuidados de saúde pudessem fazer esse trabalho, houve profissionais que ficaram na sombra, mas que não são menos importantes.

O Serviço de Aprovisionamento não está na primeira linha, no sentido do contacto com o doente, mas está na primeira linha a garantir que não faltam materiais e equipamentos a todos os profissionais, nos diversos serviços. “A nossa missão é comprar os bens e serviços, no momento certo, na quantidade adequada e dentro das melhores condições económicas possíveis no mercado”, resume o diretor do Serviço, o engenheiro Arlindo Soares.

Quando fala em comprar no momento certo, Arlindo Soares sabe o que está a dizer. A contratação pública tem uma regulação legal que faz com que o Hospital não possa responder a uma necessidade de aquisição de bens ou serviços com a mesma celeridade de uma empresa privada. Para se cumprirem os prazos e tramitação da contratação pública é preciso programar atempadamente.

Arlindo Soares é diretor do Serviço de Aprovisionamento. Foto: Rui Dias / O MINHO

Este foi um dos problemas detetados no início da pandemia. Com hospitais de todo a mundo a irem ao mercado procurar máscaras, manguitos, cobre-botas, fatos de proteção, cóbulas (viseiras com gorro), a lentidão dos processos administrativos não se coadunava com a urgência com que estes equipamentos eram necessários para proteger os profissionais de saúde.

Arlindo Soares reconhece que foi muito importante a promulgação do Decreto-Lei n.º 10-A, de 13 de março de 2020, que veio criar um regime excecional de contratação pública e de autorização de despesa, mais simples e mais ágil. “Foi um diploma muito assertivo, que permitiu adquirir, num contexto de mercado muito difícil, dispositivos e equipamentos que eram escassos. Muitas entidades estavam, ao mesmo tempo, a fazer encomendas desses materiais e as cadeias de abastecimento tradicionais não estavam capacitadas para responder a tanta procura. Foi preciso recorrer a outros fornecedores, a outras cadeias de abastecimento, diferentes daquelas a que estávamos habituados, para poder manter o fornecimento”, recorda o diretor do Serviço de Aprovisionamento.

Arlindo Soares admite que pode ter havido bloqueios nos países que produzem estes equipamentos, essencialmente países asiáticos. “Aqui, num país que até tem capacidade de produzir esse tipo de equipamentos, vivemos momentos muito difíceis, naquela primeira vaga da pandemia”. Para o responsável pelo aprovisionamento do HSOG, se a pandemia trouxe alguma coisa de bom, foi a capacidade do setor têxtil português de reinventar. “Há uma série de equipamento de proteção individual que nós não estávamos habituados a comprar em tão grande quantidade e isso criou problemas de abastecimento. Mas, a indústria portuguesa respondeu muito positivamente. Foi impressionante a rapidez com que começamos a ter disponibilidade desses materiais no mercado local”.

“Pontualmente tivemos que pagar mais, quando não havia disponibilidade nas cadeias de abastecimento normal”

Apesar de todos os constrangimentos, Alindo Soares afirma que os equipamentos nunca faltaram aos profissionais do HSOG, embora admita que, em certos momentos, foi preciso pagar um preço bem mais elevados do que seria normal. “Pontualmente tivemos que pagar mais, quando não havia disponibilidade nas cadeias de abastecimento normal. Nessas alturas, compramos as quantidades absolutamente necessárias para garantir o bem maior que é a segurança dos nossos profissionais de saúde”.

O Serviço de Aprovisionamento funciona a partir de um armazém central, no rés-do-chão do Hospital, junto ao cais, por onde entram as mercadorias. Essa unidade abastece os armazéns periféricos, nos serviços. Todo a sistema é informatizado, de tal forma que quando há um consumo nos serviços, o profissional faz o registo e, imediatamente, o Serviço de Aprovisionamento tem perceção das quantidades existentes e das necessidades de aquisição. 

As compras são feitas com base na informação que é fornecida por este sistema e no histórico acumulado de consumos. “Fazemos o abastecimento em função das necessidades e do perfil de consumo de cada serviço”, descreve Arlindo Soares.

Serviços como a Urgência e os Internamentos obrigam a reposições diárias, outros serviços com consumos menores podem ter reabastecimentos semanais ou bissemanais. João Ribeiro e Joel Dias são responsáveis por operacionalizar estas reposições. Recebem as “encomendas” de cada serviço que um colega retira do sistema informático, depois percorrem os corredores do armazém central com um carrinho. Quem os vê, parece-lhe que andam a fazer compras num supermercado. Com o carrinho abastecido, fazem-se ao caminho para qualquer um dos muitos serviços que se espalham pelos onze pisos do Hospital.

João Ribeiro e Joel Dias são responsáveis pela reposição de materiais nos armazéns dos serviços. Foto: Rui Dias / O MINHO

O HSOG é um gigantesco organismo vivo. Se alguma coisa acontece de extraordinário num ponto, reflete-se nos outros. Como estes funcionários do Aprovisionamento notaram, durante os momentos críticos da pandemia, em que o Hospital teve mais doentes covid internados, nomeadamente em cuidados intensivos (onde chegaram a ser 16). “Notamos muito, durante aquela altura eram pedidos materiais diferentes e em quantidades muito maiores”, afirma Joel Dias.

Serviço de Manutenção: a tratar da saúde do Hospital

O Serviço de Manutenção é um “serviço de urgências” encarregado de tratar da saúde do Hospital. Há funcionários de prevenção 24 horas, prontos para acudir a uma falta de eletricidade, ou a um problema de rede de vácuo. Pela sensibilidade de certos doentes, há reparações que não podem esperar para o dia seguinte.

Os eletricistas andam sempre fora e dentro. “Tudo trabalha com eletricidade neste Hospital”, afirma José João Bastos, eletricista há 12 anos no HSOG. Acaba de chegar com um pedaço de calha com tomadas elétricas, uma delas está em visível mau estado. Coloca a calha em cima da bancada em lança-se ao trabalho enquanto fala. Algures, num serviço do Hospital, esperam que ele volte depressa para repor a corrente.

Os eletricistas estão constantemente a ser solicitados. Foto: Rui Dias / O MINHO

No Serviço de Manutenção há carpinteiros, serralheiros mecânicos, técnicos de electromedicina e eletricistas. Carlos Bártolo, engenheiro, diretor do Serviço, afirma que o quadro de pessoal está subdimensionado para as necessidades do Hospital, “porque os profissionais foram saindo ao atingirem a idade da reforma”. O diretor de serviço admite que muitas destas profissões têm propostas mais atrativas em termos salariais no exterior, por outro lado contrapõe com os benefícios de trabalhar na função pública, “como a garantia do emprego numa situação como esta que estamos a atravessar”.

Por outro lado, há hoje profissionais que são necessários no Hospital que já são difíceis de encontrar no mercado, como os fogueiros, para operar as caldeiras. Foi na central térmica que começou José Carlos, o patriarca da manutenção, orgulhoso do seu número mecanográfico (826), que iniciou a sua atividade ainda no Hospital Velho.

José Carlos, Carlos Bártolo, Adriano Silva (da esquerda para a direita). Foto: Rui Dias / O MINHO

Luís Alves trabalha em serralharia desde os 13 anos. Quando veio trabalhar para o Hospital, em 1992, já era serralheiro mecânico, habituado a trabalhar peças no torno e na fresa. Em 1996, foi fazer um curso de reparação de equipamento instrumental cirúrgico no Hospital de Santo António e hoje é um dos poucos no país que entende deste ofício.

Luís Alves repara equipamento cirúrgico de precisão. Foto: Rui Dias / O MINHO

“Poupa-se aqui muito dinheiro. Estes instrumentos são caros e empenam, desafinam, precisam de ser afiados, se não fossem reparados era preciso comprar novos”, explica Luís Alves enquanto dá voltas para afiar um instrumento usado em cirurgia ortopédica. “Eles usam isto para operar a coluna, tem que cortar, este não corta”, exemplifica num papel, “vou pô-lo a cortar de novo”.

Ali ao lado, um colega repara monitores. Com a quantidade de equipamento médico que os têm não lhe falta trabalho. “Fazemos uma avaliação, se for possível reparamos aqui, se não for enviamos para reparar no exterior”.

Mais á frente, na oficina de carpintaria, um móvel de grandes dimensões que foi retirado do laboratório é transformado em peças menores, pequenos armários que vão ganhar nova vida em outros lugares do Hospital.

Na manutenção os objetos ganham nova vida. Foto: Rui Dias / O MINHO

A manutenção também esteve no combate à covid-19

Durante as fases mais intensas do combate à pandemia, o Serviço de Manutenção também esteve especialmente ativo. A tenda covid que está montada na entrada das urgências e que permitiu criar um circuito independente para estes doentes, foi montada pela Manutenção do HSOG. “Não é uma tenda qualquer. Tem um circuito de oxigénio de alto débito e zonas de pressão negativa, para permitir fazer o isolamento de pessoas contaminadas”, esclarece Carlos Bártolo.

Adriano Silva, engenheiro, responsável pela unidade operações e equipamentos, sublinha que muitas das vezes é preciso imaginação. “O Hospital fez frente à pandemia com o Serviço de Urgência em obras, em alguns momentos com apenas um terço da área disponível”, recorda.

Arranjar os equipamentos internamente permite ao HSOG poupar muito dinheiro. Foto: Rui Dias / O MINHO 

Quando voltar a entrar no Hospital Senhora da Oliveira lembre-se destes profissionais que nunca vê, mas sem os quais os outros não podiam trabalhar.

Total
0
Partilhas
Artigo Anterior

A partir de segunda já pode ir aos parques e sentar-se nos bancos de jardim

Próximo Artigo

Benfica 'vinga-se' do Boavista com 'bis' de Seferovic e iguala FC Porto na I Liga

Artigos Relacionados
x