Aguiar-Branco frisa que não lhe cabe avaliar discursos e ser o guardião do aceitável

Conferência de líderes
Foto: Lusa

O presidente da Assembleia da República insistiu hoje, em conferência de líderes, que não lhe cabe fazer a avaliação da bondade dos discursos dos deputados, ainda que sejam eticamente desvaliosos, assumindo-se como “guardião” do aceitável.

Esta posição de José Pedro Aguiar-Branco consta de um documento intitulado “A liberdade de expressão, uma super liberdade de expressão máxima e de restrição mínima”. Uma questão que surgiu depois de as bancadas da esquerda parlamentar o terem criticado por não ter admoestado o presidente do Chega, André Ventura, quando, na sexta-feira, em plenário, se referiu às capacidades de trabalho do povo turco.

Para o PS, PCP, BE e Livre, o presidente do parlamento, perante esse discurso de André Ventura, que classificaram como racista e xenófobo em relação ao povo turco, deveria ter atuado ao abrigo do artigo 89.º número 3 do Regimento, podendo até retirar a palavra ao líder do Chega.

Mas, para José Pedro Aguiar-Branco, não é essa a interpretação correta. E esse artigo não significa que o presidente da Assembleia da República esteja “investido de poderes de censura ou de julgamento de eventuais infrações”.

“Tal disposição normativa, de natureza organizatória do debate e com efeitos inter partes, apenas confere poderes ao presidente da Assembleia da República de criar um espaço de discurso político isento de constrangimentos, aberto ao confronto de ideias, que garanta que o exercício do mandato (…) seja exercido sem receio de represálias. A ratio desta norma não é, de modo algum, o condicionamento do debate, mas sim evitar que este possa ser condicionado por injúrias, ofensas, chantagens ou ameaças entre os intervenientes”, sustenta.

Na perspetiva do antigo ministro social-democrata, não cabe ao presidente da Assembleia da República “a avaliação da bondade do discurso político, ainda que eticamente desvalioso”.

“Nem lhe compete, em nome dos poderes regimentais que lhe são conferidos, instituir uma cultura de cancelamento linguístico, freando opiniões e assumindo-se como guardião do aceitável e do politicamente correto. Não pode, em momento algum, o presidente da Assembleia da República substituir-se ao tribunal na operação do critério da concordância prática (ou freios e contrapesos) entre liberdade de expressão e outros princípios constitucionalmente garantidos”, salienta-se no documento.

José Pedro Aguiar-Branco deixa também uma pista sobre uma eventual reforma em termos de funcionamento do parlamento, citando, para o efeito, o professor José Melo Alexandrino.

Sugere-se, então, que se poderá meditar numa reforma do parlamento, “a começar pelo Código de Conduta dos Deputados e respetivas estruturas de supervisão, pela reforma do Estatuto dos Deputados ou do próprio Regimento”.

Um processo que, na sua perspetiva, deverá reforçar mecanismos já existentes “que permitem aos deputados reagirem – designadamente face a expressões que propaguem, incitem, promovam ou justifiquem o ódio racial, a xenofobia ou outras formas de ódio baseadas na intolerância – como a figura do protesto, contida no artigo 85º, numero 1, do Regimento”.

“Ou, ainda, equacionar-se a criação regimental de um voto de rejeição, correspondente a uma declaração formal de repúdio, desaprovação ou condenação de determinada ação ou declaração, que pode ser imediatamente submetida a votação do plenário, de modo a dar voz ao parlamento quanto à condenação oficial e coletiva de determinado discurso”, defende-se no documento.

Uma proposta que José Pedro Aguiar-Branco apresentou hoje em conferência de líderes e em relação à qual os diferentes grupos parlamentares irão agora analisar, embora as bancadas da esquerda tenham para já afastado uma nova revisão do Regimento da Assembleia da República.

Na parte das conclusões, o presidente da Assembleia da República destaca um princípio basilar inerente à sua conceção de democracia representativa.

“Numa sociedade democrática e plural, a avaliação e a derrota do discurso político faz-se com recurso a argumentos e com a confrontação objetiva da verdade dos factos, nunca por via da imposição de silêncio ou de censura, sem que isto signifique condescendência, concordância ou validação de opiniões e ideologias que (…) apenas ao povo cabe apreciar e julgar através da arma que dispõe: O voto”, acrescenta.

 
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