A Arquidiocese de Braga entendeu esclarecer os bracarenses sobre a recente decisão do Tribunal Judicial no litígio quanto à propriedade do Parque de S. João da Ponte, que deu razão à Câmara de Braga. No texto publicado no seu site, o Vigário-Geral, João Paulo Abreu, reafirma que “o Parque pertence, desde tempos imemoriais, à Igreja, na figura da Confraria de S. João e depois das paróquias de S. Lázaro e Santo Adrião”. Pelo que vai recorrer para o Tribunal da Relação de Guimarães. Ao invés, o juiz da Unidade Cível concluiu que, “desde 1800, o Parque constituía um espaço de livre acesso ao público, sem restrições, . E que era mantido, conservado e cuidado exclusivamente pela Câmara”. Assim, e para melhor esclarecer os leitores, O MINHO deixa aqui um resumo – ainda que extenso – das duas posições.
Intervenções da Câmara
A Igreja começa por dizer que, com a ação, queria “esclarecer, dum modo pacífico e ordenado, a questão do serviço à comunidade. Na verdade, nos últimos tempos têm surgido intervenções da Câmara que perturbam um sadio relacionamento”.
Igreja considera “iníqua” sentença que atribui Parque da Ponte à Câmara de Braga
De seguida, diz que propôs à Câmara um protocolo onde reconheceria a propriedade da Igreja, podendo organizar ali atividades. “Os espaços da Igreja são do povo e para o povo. Sempre assim foi e queremos que continue a ser”.
E acrescenta: “Para comprovar a posse, para além dos documentos apresentados, recordemos uma inscrição colocada no sopé dum cruzeiro mandado construir por S. Bartolomeu dos Mártires por ocasião duma peste que assolou a cidade. ‘Sendo Arcebispo de Braga, D. Frei Bartolomeu dos Mártires, houve peste na cidade, ano 1570, os empestados foram trazidos para esta devesa’”.
Os adros
O sacerdote evoca, depois, o uso dos adros, dizendo que tiveram sempre uma função pública. “Neles entravam cristãos e não cristãos. Por isso, as Câmaras sentiam-se motivadas para intervir em terrenos que não lhes pertencem, mas em consideração pelo bem público. É isto que tem acontecido. Temos 551 paróquias em 16 concelhos. As paróquias e a Arquidiocese testemunham gratidão às autarquias. O que é nosso está ao serviço da sociedade”.
E assinala: “No caso da Ponte sempre solicitamos os trabalhos de limpeza e arranjos pela Câmara. Havia uma colaboração harmoniosa. Só ultimamente, e apesar dos espaços estarem registados em nosso nome, surgiram dificuldades que não conseguimos entender”.
Renda de quiosque e venda de madeira
Continuando, diz que “a paróquia de Santo Adrião paga IMI do coreto, recebia renda dum quiosque, negociou a venda da madeira, e pagou indemnizações em viaturas por queda de árvores a mando da Câmara, pelo facto de o espaço ser seu”.
Parque da Ponte em Braga é da Câmara e não da Arquidiocese, decidiu o Tribunal
A explanação da Arquidiocese aborda a questão das festas religiosas em honra dos santos, dizendo que “sempre foram realizadas pelas Confrarias como Associações de Fiéis. Quando as circunstâncias aconselham são constituídas Comissões de Festas em articulação com a Igreja. Foi assim nas Festas de S. João”.
Pronuncia-se sobre a sentença, dizendo-a “injusta e não alicerçada em argumentação jurídica fiel à história. Reafirmamos que o diálogo seria o caminho mais adequado para reconhecer a propriedade e a colocar ao serviço da cidade, como sempre esteve. Não concordámos com a argumentação apresentada em Tribunal baseada, não em documentos, mas num estudo de alguém, ainda por cima, parte interessada na causa”. No caso, o vereador Miguel Bandeira.
Confisco pelo Estado
O Cónego esclarece, ainda, que “o Parque era da Arquidiocese, mas foi confiscado pelo Estado em 1910, (junto com a Quinta da Mitra) como tantos outros edifícios emblemáticos da cidade. Mas o Parque (capela e território em torno), nunca sofreu outro destino. Pertence inequivocamente à Igreja. Estará sempre, como esteve no passado, ao serviço da cidade, e de todos”.
A sentença judicial
Na sentença, o juiz concluiu que “desde 1800 que o Parque constituía um espaço de livre acesso ao público. Na época, por lá passava a estrada que ligava Braga a Guimarães, sendo que existiam duas pontes sobre o Rio Este, uma delas (a mais pequena) entretanto desaparecida”.
E assinala: “Era a Câmara quem fazia a limpeza, a conservação, a poda de árvores, o ajardinamento, a pavimentação de vias, colocação de passeios, etc. O Parque sempre esteve separado da Quinta da Mitra”.
E aduz alguns factos: “Em 1839 a Câmara aprovou um pedido da Irmandade de Nossa Senhora do Parto (que administrava a Capela), solicitando autorização para criar um adro, com arbustos, assumindo que seria mantido um uso público”.
Arquidiocese de Braga acusa Câmara de querer apropriar-se do Parque da Ponte
E sublinha o magistrado: “A população ali circulava livremente. Existia ainda um aglomerado de construções junto ao que é hoje a parte final da Avenida Liberdade (logo após o Este), bem como existia um muro a delimitar o Parque, da Quinta. Já no século XX a situação manteve-se, continuando a mantê-lo e conservá-lo, sendo até constituída uma Comissão dos Melhoramentos, para a sua gestão e que visava o seu alargamento. O Município queria aceder à Quinta, para implantar um horto e um campo de jogos desportivos (como se veio a fazer).
Quinta confiscada na República
Com a publicação da lei de separação do Estado da Igreja de 1911, a Quinta foi declarada do Estado, e na sua descrição diz-se: “Confrontando pelo nascente com o parque de S. João…” Nos anos seguintes, ali se faziam as romarias do S. João e feiras de gado, aonde todos acediam. Em 1911 a Câmara alugou a Quinta, mediante o pagamento da renda anual de 150 escudos. Em outubro solicitou a redução da renda para 100 escudos: “A Câmara, porém, atendendo a que o terreno em questão se destina ao aformosamento do Parque e, portanto, delles não poderá provir rendimento algum”. Em 1917, requereu ao Estado a venda da Quinta para construção de “campos para jogos desportivos, de viveiros para plantas ornamentaes, arvores frutíferas e outras, ampliação do Parque Público da Ponte, etc.”.
Deliberações
Após isso, produziu deliberações, para expropriação de terreno e de casas e na margem da EN n.º 27, para regularização da Avenida da Liberdade em construção, para a transformação de parte da Quinta no Horto Municipal e em campo de jogos desportivos. E celebrou contratos de arrendamento e/ou de cedeu parte de terrenos à JAE (Junta Autónoma de Estradas). Eletrificou o Parque em 1926, e pagou a obra. Em 1946 retorna à Igreja uma parte significativa da Quinta, mas da listagem dos prédios devolvidos não consta o Parque. Em 1951, para alargamento da EN 101, junto ao Parque e no prolongamento da então chamada Avenida Marechal Gomes da Costa (atualmente da Liberdade), expropriou três casas, propriedade de privados, sitas em S. João da Ponte. Em 1963, adjudicou a obra de vedação de parte do Parque.