Um homem acusado pelo Ministério Público de ficar com dinheiro da conta bancária onde o pai figurava como o seu titular e proprietário do dinheiro, quantia que recebeu, pensando que teria direito, foi ilibado pelo Juízo de Instrução Criminal de Braga.
O suspeito era acusado pelo Ministério Público de Braga por um crime de burla qualificada, por alegadamente se ter apropriado da herança numa conta bancária onde o pai era o titular e não um mero procurador, conforme se viria a constatar só mais tarde.
Segundo o processo criminal, o pai do suspeito seria um mero procurador do casal que esteve emigrado em França, natural e residente em Vila Verde, constando na conta como um dos dois titulares, a par do referido casal, de quem seria todo o dinheiro.
A acusação refere que das duas uma: ou o dinheiro era apenas do casal, que sendo quase analfabeto pediu a um amigo, pai do arguido, para gerir a conta bancária e pagar despesas correntes ou na melhor das hipóteses o dinheiro seria para dividir a meias.
Como a conta bancária tinha cerca de 42 mil euros, o raciocínio da acusação pública é que o arguido nunca teria direito a nada ou então quando muito só teria direito a levantar a metade, isto é, 21 mil euros, mas não a totalidade do dinheiro, como o fez.
“O arguido locupletou-se, no mínimo com metade da quantia em saldo, usando de ardil e astúcia, de forma dolosa, consciente e premeditada para esconder que tinha conhecimento de quem eram os verdadeiros proprietários do dinheiro e pressionar diariamente o banco para mais rapidamente obter para si um enriquecimento ilegítimo, à custa do efetivo empobrecimento do assistente [o queixoso do casal emigrado] que naquele momento deixou na penúria”, segundo se acusava no Ministério Público.
Mas depois da inquirição de todas as testemunhas, incluindo as funcionárias do banco onde estava domiciliada a conta, o juiz de instrução criminal da Comarca de Braga entendeu que “face às versões aqui apresentadas conclui este Tribunal não existirem elementos probatórios suficientes para afirmar que o arguido tinha conhecimento de que o dinheiro constante na conta seria exclusivamente propriedade dos denunciantes”, residentes em Vila Verde, pelo que decidiu não levar o arguido a julgamento.
Para o magistrado, “não há na atuação do arguido qualquer conduta errónea sobre a sua qualidade de co-herdeiro do cotitular da conta onde se encontravam os fundos”, uma vez que “era efetivamente co-herdeiro e como se disse, apenas pediu o que, como herdeiro, tinha direito face a essa mera qualidade (metade), mas com desconhecimento da propriedade exclusiva dos fundos pelo segundo titular, podendo assim dizer-se em erro, logo sem dolo”, ainda segundo refere o juiz de instrução criminal.
Advogado elogia a decisão judicial
O advogado João Araújo Silva, defensor do arguido, referiu a O MINHO que “uma vez mais assistimos a uma decisão justa do senhor juiz de instrução criminal de Braga, porque como sempre o faz, analisou este processo com todo o espírito crítico”.
“A douta decisão – e douta não é palavra de circunstância – do senhor juiz de instrução criminal de Braga vem demonstrar que a fase de instrução nos processos penais deve continuar a existir em Portugal até por termos tais juízes”, afirmou o advogado.
João Araújo Silva, com escritório em Vila Verde, de onde é este seu cliente, lembrou o aforismo que “vale a pena acreditar na justiça ‘enquanto houver juízes em Berlim’ e a justiça está sempre bem quando tivermos juízes destes assim com J maiúsculo”.
O causídico referia-se ao caso do moleiro vítima da prepotência de um rei concretizada com a remoção do seu moinho, recorreu ao tribunal local, mas perdeu provisoriamente a causa, até que, recorrendo aos juízes do Supremo Tribunal de Berlim, ganhou.