Velutinas saem da hibernação e preparam novos ninhos com dezenas de milhares de vespas

Por cada fundadora aniquilada na primavera, evitam-se 2.000 novas vespas no verão

Apesar do acentuado arrefecimento noturno que se faz sentir na região do Minho, as vespas velutinas fundadoras começam agora a sair da hibernação dos últimos meses e buscam alimento com a função de iniciarem novas colónias e, dessa forma, assegurarem a perseverança daquela espécie invasora em Portugal.

Os ciclos biológicos da vespa velutina, assim como de quase toda a biodiversidade, estão condicionados pelo clima. Depois de hibernaram, no final do outono, para locais de difícil acesso, quase sempre associados a lenhas e madeira, habitualmente o mês de fevereiro é quando as ‘rainhas’ que nascem em ‘ninhos’ do ano anterior começam a procurar alimento. Em março começam a construir os ninhos primários, onde criam a sua ‘guarda’ de honra, restrita a poucos insetos. Cerca de um mês depois, mudam-se para o ninho principal e a rainha começa a dar à luz de forma massiva, com o vespeiro a poder albergar cerca de duas mil vespas.

Ou seja, cada fundadora ‘abatida’ representa uma possibilidade de menos 2 mil vespas ‘asiáticas’ a incomodar durante verão e outono (e, agora, até no inverno). O mesmo sucede em relação aos ninhos primários, mas estes mais difíceis de conseguir eliminar com as vespas lá dentro (e dessa forma evitar a continuação da reprodução dessa ‘rainha’).

Alguns ninhos primários podem ser encontrados no solo. Foto: DR
Ninhos primários são construídos, sobretudo, debaixo de telhados. Foto: DR

 

Nos últimos anos, e conforme deu conta O MINHO numa reportagem realizada no início de 2022, vários vespeiros têm sobrevivido ao inverno com milhares de exemplares de vespas vivas, algo que não era encarado como sendo habitual. Demos vários exemplos de testemunhos ocorridos um pouco por todo o Minho e também na região do litoral de Aveiro. Uma reportagem vídeo do jornal O MIRANTE, no Ribatejo, mostrou um vespeiro ativo com cerca de 2 mil vespas em pleno mês de dezembro de 2022.

Ainda sem fundamentação científica que comprove, a realidade no terreno parece mostrar que os ciclos ativos da vespa asiática são prolongados devido ao nosso clima mais temperado, tornando-a uma ameaça ainda maior para os outros insetos, para a produção frutívora e para a saúde pública, pois podem ser extremamente agressivas e as suas picadas podem resultar na morte.

Vespa velutina jovem. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

“As vespas fecundadas hibernam para voltarem a emergir no final de janeiro, fevereiro e assim começarem um novo ciclo”, conforme explicou a O MINHO Maria João Verdasca, bióloga investigadora da Universidade de Lisboa, e especialista em investigação na área da velutina em Portugal.

Outra questão observada com particular interesse durante a época passada está na construção de ‘ninhos’ no solo, técnica pouco habitual dos insetos que parece estar a intensificar-se, conforme notou a O MINHO, no final do ciclo de 2021, Marco Portocarrero, presidente da associação NATIVA e técnico de intervenção em ‘ninhos’ de vespa.

“Isso [a adaptação da vespa] preocupa-me muito, porque traz várias implicações principais, não só na apicultura. Há o ataque às produções de fruta e verificámos cada vez mais um problema na agricultura e floresta, sobretudo nas limpezas de terrenos. Muitos dos ataques têm ocorrido devido a ninhos no solo, em baixa altura, vegetação rasteira. Para defender os vespeiros, ficam agressivas, e quando as pessoas que fazem a limpeza dos terrenos lhes tocam inadvertidamente, são atacadas e muitas vezes picadas”, considerou.

Dessa forma, antes do início da primavera, é aconselhada a colocação de armadilhas artesanais com atrativo para apanhar as rainhas fundadoras, de forma a evitar a criação de mais vespeiros.

NATIVA explica como proceder para apanhar vespas na primavera. Foto: DR

Como é que elas chegaram?

O engenheiro Miguel Maia foi o pioneiro na deteção da vespa asiática. Em 2010, trabalhava na associação de apicultores do Alto Minho (APIMIL) quando um apicultor, Nuno Amaro, encontrou uma vespa que não soube identificar. “Mostrou-me e eu suspeitei que seria uma velutina, porque já tinha visto em França. Tirámos fotografias com o telemóvel e enviámos por e-mail para uma associação do País Basco e para o Museu de História Natural de Paris. Todos identificaram como sendo uma ‘asiática’”, salientou.

“Isto foi em 2010, perto do final do ano, se não me engano, e a partir daí fomos falar com os bombeiros, nomeadamente com o comandante António Cruz, que se mostrou disponível. e encontrámos logo alguns ‘ninhos’ na antiga Soporcel”, recorda.

O engenheiro avança que a teoria mais aceite é a de que a vespa invasora terá chegado num transporte de madeira a Viana do Castelo, proveniente de França, num contentor de madeira:

“Isto foi um bebé que nos veio parar aos braços. Houve uma tempestade na zona da Aquitaine onde foram destruídas muitas árvores, e o Governo francês, para limpar a zona, decidiu, isto segundo o ICNF, contratar empresas que trabalham com madeira para lá irem limpar, vendendo-a a ‘preço da chuva’”.

Refere-se à situação catastrófica provocada pela tempestade Xynthia, que em fevereiro de 2010 varreu a costa atlântica de França, provocando 52 mortos.

E o meio dos troncos veio uma vespa fecundada que se encontrava em hibernação e criou o primeiro ninho em Portugal. “Na altura houve relatos de pessoas que já tinham visto desta espécie no ano anterior, pelo que, se calhar, já poderia ter chegado antes, mas nada foi provado”, concluiu.

 
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