Veio do Paquistão comer a ceia de Natal a Guimarães

Há mais de 700 anos que a Ceia de São Crispim alimenta os mais desfavorecidos
Veio do paquistão comer a ceia de natal a guimarães

Talha tem 22 anos, é paquistanês e chegou a Portugal fugido da guerra na Ucrânia. Sentado nos bancos corridos do Albergue da Irmandade de São Crispim e São Cipriano, saudável e bem vestido, destoa dos outros comensais. Há velhos solitários, alcoólicos, toxicodependentes, sem abrigo e famílias inteiras, mãe, avó e crianças, imigrantes que ainda não encontraram rumo.

A Ceia de Natal de São Crispim faz-se desde 1315, há 708 anos. Os voluntários começam a preparar o bacalhau, as couves, as batatas e as rabanadas desde o meio da tarde para que, pelo menos nesta noite, não falte nada na mesa dos mais pobres. “Este ano nota-se que são mais, é já um sinal dos tempos, temos também muitas pessoas que vêm de fora”, diz José Pereira, o juiz da irmandade.

Talha oferece-se para ajudar os voluntários, “a servir à mesa ou na cozinha”. Dizem-lhe que não é preciso, hoje veio aqui para ser servido. Até há pouco tempo o jovem paquistanês estudava Engenharia Mecânica na Ucrânia. “Saí do meu país para crescer para me desenvolver e construir um futuro melhor”, afirma. A guerra trocou-lhe as voltas. “A certa altura, já não era possível estar na Ucrânia, tive de fugir”, recorda.

Veio do paquistão comer a ceia de natal a guimarães
Foto: Rui Dias / O MINHO

No momento de sair da Ucrânia teve de escolher entre regressar ao Paquistão ou ficar na Europa, fugindo para um país onde sabia que não teria ninguém. “Não vou mentir, podia ter voltado ao Paquistão, a minha família arranjava algum dinheiro para isso. Mas, depois de já ter saído, não queria voltar, andar para trás”, reconhece.

Acabou por vir parar a Portugal, uma terra de que não conhecia quase nada. “Estou sob proteção da Cruz Vermelha Internacional. Primeiro colocaram-me em Macedo de Cavaleiros, depois mandaram-me para Guimarães”, conta.

Talha quer voltar a estudar e sente que está no sítio certo, por estar a viver na cidade onde esta sediada a Escola de Engenharia da Universidade do Minho.

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Foto: Rui Dias / O MINHO

São 58 sentados à mesa e outros tantos que vêm buscar

Chega o bacalhau para as 58 pessoas espalhadas pelas mesas longas que ocupam o rês-do-chão de terra do edifício medieval de terra batida e teto baixo. São postas altas, cozinhadas em grandes panelas de ferro, ao lume. Talha nunca viu tal coisa, mas está aqui para “desfrutar o momento”. Não tem vergonha de estar entre os desvalidos, pelo contrário, tem a certeza que a sua vida “um dia vai melhorar e isto vai ser só uma recordação de dias mais difíceis”.

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Foto: Rui Dias / O MINHO
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Foto: Rui Dias / O MINHO

Bem diferentes são às pessoas que ficam do lado de fora da porta do Albergue, a pobreza envergonhada que vem buscar a ceia para comer em casa, quando há uma casa, porque em certos casos a mesa de jantar é um banco de jardim. “São muitos, pelo menos tantos como os que estão cá dentro”, diz um dos voluntários que vem lá de fora.
Talha saboreia o bacalhau e diz que está feliz: “Portugal é um país maravilhoso, fui muito bem recebido, quero constituir aqui uma família e ficar para sempre”.

 
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