ARTIGO DE OPINIÃO
João Ferreira Araújo
Advogado.
A 12 de março de 2020, a morte do cidadão imigrante ucraniano, Ihor Homeniuk, chocava o país, pela brutalidade de um homicídio perpetrado por três inspetores do extinto SEF.
Aqueles que deviam proteger o cidadão imigrante e abrir as portas de Portugal a alguém que apenas procurava melhores condições de vida, afinal espancaram-no e mataram-no.
Se este comportamento criminoso foi o único motivo que levou à extinção do SEF, não o sabemos.
Sabemos sim que foi a partir desse momento que foi decidida e comunicada a extinção daquele serviço.
Em 29 de outubro de 2023 atingiu-se o culminar do processo de extinção do SEF.
Nos entretantos, foi aprovada na Assembleia da República a lei que determina a reestruturação do sistema de controlo das fronteiras.
Naquele diploma legal fixa-se a transferência das competências administrativas do SEF para a Agência Portuguesa para as Minorias, Migrações e Asilo (APMMA) e para o Instituto de Registos e Notariado (IRN), as competências policiais para a GNR, no que respeita às fronteiras marítimas e terrestres, para a PSP as fronteiras aeroportuárias e para a PJ a investigação criminal.
Criou ainda aquele diploma legal a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros.
São agora estas entidades que recebem as competências e os inspetores do extinto SEF.
É um modelo novo e único na União Europeia atenta a sua dispersão funcional.
Nos países europeus, o modelo é e centralização do controlo fronteiriço e entrada de imigrantes no seu território.
Porém, existem cerca de 600.000 processos por decidir e que a APMMA herda, a que acresce as muitas queixas e preocupações por parte dos milhares de cidadãos que, há meses, aguardam a resolução dos seus problemas.
Paira uma névoa de incerteza sobre o modelo adotado, principalmente no que concerne à resolução dos problemas acumulados nestes últimos três anos. Repita-se, 600.000 processos pendentes de regularização da permanência de estrangeiros em território nacional.
Aqui chegados, não tenho dúvidas em afirmar que a ideia de criar uma nova agência é, por si só, algo de muito positivo.
O SEF funcionava mal, desrespeitava os direitos dos imigrantes, olhava o imigrante como um inimigo, afrontava e dificultava, colocava demasiadas pedras num caminho já por si difícil e lento, e que é trilhado por quem chega a um país que desconhece, mas onde vê um futuro melhor.
Resta saber se esta nova agência vai tratar melhor os imigrantes, promover a sua integração e acolhimento em território nacional, com processos mais céleres e menos burocráticos e um maior respeito pelos direitos dos mesmos.
A forma como vamos integrar estes imigrantes, e como vamos continuar a definir a nossa política de imigração, vai determinar a qualidade da nossa democracia.
Na verdade, as políticas portuguesas para as migrações limitam-se a banalidades abstratas. É necessária e urgente uma política de imigração clara, concreta, definidora das grandes e difíceis questões, que assolam, não só o nosso país, mas também todos os países da União Europeia.
Recebemos e aceitamos todos os imigrantes?
Quantos imigrantes podem e devem entrar em Portugal?
Deverá haver limites? Se sim, quais?
Deverão ser privilegiados os imigrantes oriundos dos países de língua portuguesa?
Ou a política de acesso deve ser igual para todos?
Devemos exigir contrato de trabalho prévio e residência assegurada antes de dar acolhimento?
Devem ser legalizados todos os que já entraram no país?
É na definição clara e precisa de todas estas questões que poderemos definir uma política que possa orientar e adequar os fluxos migratórios.
Devemos fixar quantitativos de entrada de imigrantes para os poder integrar e acolher devidamente, preferir nacionalidades de origem, valorizar as qualificações.
Exigir a legalização e o contrato de trabalho, punir a ilegalidade e o tráfico de força de trabalho, e recusar a entrada dos criminosos, são atitudes e opções aceitáveis e convenientes.
Porém, esta política de imigração deveria ser comum a todos os países integrantes na União Europeia, e deveria, principalmente, acautelar as inúmeras preocupações, no que a este assunto diz respeito, que causam consternação a todos nós.
Necessitamos, e muito, dos imigrantes, dos qualificados, dos mais técnicos, dos investidores e até dos indiferenciados.
Mas temos que definir regras claras e precisas para bem de todos, dos que entram e dos que já cá estão.
O pior que pode acontecer, a Portugal e à Europa, é deixar andar, nada fazer, gerir e ter fluxos migratórios com medidas avulsas, confusas, e de navegação à vista.
Não se pode deixar potenciar o conflito, a animosidade, o crime, o tráfico humano, a xenofobia e a intolerância, pois a liberdade de circulação e da escolha de local de vida e residência, associadas à cultura e ao trabalho, devem ser protegidas com e através de políticas claras de imigração.
O caminho deve ser este, e esperamos que haja capacidade e vontade para o fazer.
Que não seja mais uma pedra intransponível colocada a meio do caminho, já de si difícil e cheio de agruras, que os imigrantes são forçados a enfrentar.