Só este ano o rio Este já sofreu 23 descargas, mas apenas uma empresa foi multada

Falta de cadastro atualizado da rede municipal dificulta deteção da origem
Foto cedida a O MINHO

A brigada verde da GNR, ou SEPNA (Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente), recebeu 125 denúncias de descargas no rio Este, nos últimos cinco anos. As autoridades dirigem-se ao local e efetuam autos, com a descrição da descarga, tentam rastreá-la e comunicam o sucedido à Agência Portuguesa do Ambiente. Até novembro deste ano, foram registadas 23 descargas. A média são duas contaminações mensais.

Neste ano de 2020, apesar das 23 descargas registadas pelas autoridades, para o curso do rio, apenas uma empresa foi autuada, com uma contraordenação muito grave, pelo SEPNA. No ano de 2019, foram três as empresas multadas por contaminar o rio Este. Existem empresas reincidentes, apesar de o valor das contraordenações, muito graves, atingirem o valor de 144 mil euros.

“O rio Este é um curso de água, ladeado por grandes zonas habitacionais e por um saneamento descontrolado. O tecido empresarial da região promove uma grande pressão sobre os cursos de água”, contextualiza a O MINHO o major Paulo Delgado, responsável pelo SEPNA no distrito de Braga.

Major Paulo Delgado. Foto: Tomás Guerreiro / O MINHO

Os cidadãos bracarenses relatam com frequência uma descarga com cores esbranquiçadas. “O SEPNA tem fortes suspeitas sobre a descarga esbranquiçada. Estamos a desenvolver uma investigação para apurar, com precisão, os responsáveis pelo crime ambiental”, adianta o major Delgado.

A canalização das águas pluviais da cidade está, na sua maioria, dirigida diretamente para o rio. O SEPNA nota, no entanto, que o número de descargas poluentes tem vindo a reduzir ao longo dos anos, e o trabalho de fiscalização do rio foi intensificado.

As principais indústrias e atividades económicas associadas à contaminação do curso de água são as tinturarias, as mecânicas, o têxtil e as metalúrgicas, segundo as autoridades competentes.

Não existe um cadastro atualizado da rede municipal de drenagem de águas pluviais

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA), contactada por O MINHO, aponta o principal impedimento à deteção da origem das descargas: “Das diligências efetuadas não tem sido possível identificar a origem das descargas, de carácter descontínuo. As descargas que se verificam têm ocorrido através de condutas de águas pluviais e linhas de água que se encontram entubadas, o que dificulta as diligências de fiscalização. Por outro lado, a inexistência de um cadastro atualizado da rede municipal de drenagem de águas pluviais, que torna improdutivo percorrer as caixas de visita de águas pluviais, para montante dos principais pontos onde ocorrem as descargas no rio Este, requer o uso de meios especializados para percorrer as condutas subterrâneas, de forma a apurar a origem dos focos de poluição”.

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O SEPNA, para poder investigar, com rigor, a origem das descargas no rio Este, necessita do apoio de uma equipa especializada da GNR, baseada em Lisboa, que recorre ao uso de “drones” ou “robôs”, para rastrear através das tubagens, não mapeadas e das águas pluviais, a origem das descargas.

Qualidade de água “medíocre”

A APA classificou a qualidade das massas de água da bacia hidrográfica do rio Este, através do Plano de Gestão da Região Hidrográfica (PGRH) do Cávado, Ave e Leça. Em resposta às perguntas de O MINHO, a instituição afirmou: “O PGRH avalia o estado das massas de água da bacia hidrográfica do Este, tendo-se verificado, no troço principal, com análises recolhidas a jusante e a montante do Ave a classificação de Medíocre. Nos seus afluentes destacados, rio Veiga e Ribeira da Macieira, a classificação foi de Razoável”.

Este controlo de qualidade das massas de água, apesar de estudar a bacia hidrográfica do Este, através dos controlos de qualidade a jusante e a montante do rio Ave, não determina em específico a qualidade da água do afluente.

A APA acrescenta ainda: “A contaminação registada nesta bacia incide na presença de elementos físico-químicos indicadores da qualidade da água que, no caso em concreto, se encontram acima do que se entende aceitável para o Bom Estado das massas de água. Aqui, pode-se observar que, dos dados recolhidos entres 2014 e 2019, os parâmetros Fósforo total e Nitratos, Azoto amoniacal, Azoto total e Nitritos e Fosfatos indiciam um nível de degradação da qualidade da água na ordem do razoável/medíocre”.

Especificamente sobre as massas de água do rio Este, a agência adianta unicamente que, “do ponto de vista espacial, como seria de esperar, a massa de água do rio Este a montante encontra-se ligeiramente em melhor estado do que a jusante”

“Câmara vai intensificar fiscalização”

O vereador do ambiente da Câmara de Braga, Altino Bessa, confrontado com o número de denúncias, garante que “a Câmara de Braga em conjunto com as autoridades competentes vai intensificar a fiscalização do rio e melhorar o cadastro das tubagens pluviais”.

O vereador relembra ainda que por diversas ocasiões foi solicitada a presença e apoio da APA, para uma melhor fiscalização e prevenção das descargas no rio Este.

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Na origem do problema, o vereador reconhece a existência de um embrenhado de tubagens das águas pluviais que culminam no rio Este. “Centenas de quilómetros de tubos, que culminam no rio. Águas que se infiltram no subsolo, da encosta do Bom Jesus, afluem para o rio. A impermeabilização da cidade foi construída, através de uma rede de águas pluviais que desagua no Este”, realça.

O vereador aproveita para recordar o trabalho desenvolvido nos primeiros anos de mandato da atual administração camarária: “O esforço que nós fizemos para renaturalizar o rio foi brutal. Retirámos do seu fundo, entre 2015 e 2016, cerca de 300 camiões do lixo. Baixámos o rio em cerca de 1,20 metros, e o que retirámos do seu fundo, não foi areia, foi lixo”.

O vereador conclui que “o rio Este, hoje, tem peixes, lontras, aves, anfíbios e diversas espécies, que se aproximam do curso de água, para habitar. As descargas são cada vez menos e descontinuadas. Se hoje, se fala tanto do rio Este e em proteger a biodiversidade, deve-se ao trabalho por nós desenvolvido”.

Bloco de Esquerda questionou Governo

Os deputados do Bloco de Esquerda eleitos pelo círculo de Braga, José Maria Cardoso e Alexandra Vieira, entregaram duas perguntas na Assembleia da República, durante o mês de outubro, onde denunciaram três descargas poluentes no rio Este, em Braga, e criticaram a inação do Município de Braga na resolução deste problema recorrente.

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Os deputados acusam a Câmara Municipal de Braga de anúncios de “intenções sem qualquer resultado visível”. “A Câmara tem responsabilidades não só na falta de articulação com as entidades competentes na busca de soluções reais para as descargas ilegais, como é a própria Câmara Municipal um agente poluidor do rio Este”, afirmaram, aquando das denúncias no parlamento.

“O Bloco de Esquerda considera inadmissível que após tantos anos e tantos anúncios de soluções para o rio Este apresentados pela Câmara Municipal de Braga, as descargas ilegais persistam. A inação do Município de Braga e das entidades competentes põe em perigo a biodiversidade do rio e a saúde pública. É urgente apurar responsabilidades e atuar nos termos da lei. Sobretudo, é necessário eliminar os focos poluentes, proceder à despoluição das massas de água e recuperar plenamente a biodiversidade do rio Este. Os habitantes de Braga têm pleno direito a usufruir de um rio limpo, biodiverso e aprazível”, afirmaram, através da página do Bloco, do Concelho de Braga, os deputados eleitos para a Assembleia da República.

 
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