O Tribunal de Gaia aplicou, na quinta-feira, dez anos e dois meses de prisão a um antigo engenheiro da Brisa, por burlas e corrupção em expropriações de terrenos para autoestradas, condenando ainda dois cúmplices a seis anos de cadeia.
“Tudo era controlado pelo engenheiro João Reymão”, sublinhou a presidente do colectivo de juízes, numa alusão ao principal arguido que, por si só, terá causado à Brisa um prejuízo de 9,85 milhões de euros em negócios envolvendo 120 parcelas para a construção de auto-estradas no Norte. Já os dois cúmplices terão lesado a concessionária de auto-estradas em mais de cinco milhões de euros, cada.
João Reymão, que é proprietário da Quinta de Luou, na freguesia de Santa Cruz, em Ponte de Lima, já tinha visto aquela propriedade ser arrestada pelo tribunal, em 2018.
O arresto preventivo, pedido pelo procurador e decretado pela juíza de instrução, incluiu outros 224 imóveis, de sete arguidos e cinco sociedade, conforme deu nota, na altura, o Jornal de Notícias.
No acórdão conhecido na semana passada, o colectivo de juízes de Vila Nova de Gaia determinou ainda a aplicação de multas a cinco empresas igualmente acusadas (um gabinete de contabilidade e quatro firmas ligadas à construção e imobiliário).
Determinou, por outro lado, que todos os arguidos condenados têm de indemnizar a Brisa e que as vantagens patrimoniais que obtiveram com o esquema revertem a favor do Estado. O Ministério Público reclamou o pagamento ao Estado de 8,158 milhões de euros, “o correspondente às vantagens dos crimes” e, para garantia de pagamento ao Estado desse montante, um juiz de instrução criminal decretou, entretanto, o arresto preventivo de um total de 225 imóveis de que são proprietários os sete arguidos e cinco sociedades.
Justificando as penas decididas, o tribunal sublinhou que teve em conta, entre outros factores, os valores em causa na burla e as exigências que a sociedade faz, “cada vez mais”, para punição de crimes deste tipo, cometidos para satisfazer “ganâncias pessoais”. No processo havia mais quatro pessoas arguidas, que foram absolvidos porque, conforme sublinhou o tribunal, não se apuraram as “circunstâncias concretas” em que intervieram nos negócios.
Nas alegações finais do processo, realizadas em Julho, o procurador Jorge Noel Pinto considerou os crimes provados e pediu penas de prisão efectiva para alguns dos arguidos, incluindo o antigo engenheiro Brisa. Já as defesas defenderam a absolvição, argumentando que não houve crime. Um dos advogados disse mesmo que “não é burla ou corrupção comprar por um e vender por 100”, ademais que os valores pagos nestes negócios seriam “idênticos” aos praticados noutras expropriações.
Os factos em causa reportam-se aos anos de 2007 e seguintes, quando o agrupamento Auto-estradas do Douro Litoral, de que faziam parte sociedades como a Brisa, foi concessionário da concepção, projecto, construção, aumento de vias, financiamento, conservação e exploração de vários lanços das auto-estradas A43, A41 e A32.
A condução da expropriação dos terrenos necessários à construção das auto-estradas, da responsabilidade de uma empresa do grupo Brisa, foi atribuída por aquela entidade ao engenheiro agora condenado, “passando este a liderar todo o processo que culminava na celebração da escritura pública dos contratos de expropriação amigável”, segundo a perspectiva do Ministério Público, validada em tribunal.
Consumando um esquema “de engano e corrupção”, vários arguidos adquiriam as parcelas a expropriar para as auto-estradas aos respectivos proprietários pelo preço real ou superior, “sabendo que posteriormente seriam muito valorizadas” pelo engenheiro encarregado de as avaliar.
“Aproveitando-se da confiança que aquela empresa nele depositava, o funcionário da Brisa estabelecia arbitrariamente o valor dos terrenos a expropriar, sobrevalorizando-os de forma exponencial, atribuindo-lhe, por exemplo, fictícia capacidade construtiva”, referiu a Procuradoria-Geral Distrital, numa síntese da acusação. Num dos casos, detalhou, um terreno que pelos critérios legais tinha o valor de 3.239,50 euros acabou por custar à Brisa 87.615 euros, correspondente a um prejuízo de 84.375,50 euros.
O caso esteve na origem, em Abril de 2018, da operação “Ventos do Norte”, desenvolvida pela Directoria do Norte da Polícia Judiciária.