Por (A)mares nunca dantes navegados

Amares. Fotografia de Manuel Pimenta

ARTIGO DE MANUEL PIMENTA

Começo agora estas ‘viagens na nossa terra’. A ideia é simples, embora um pouco inusitada. Ser vagabundo perto de casa não lembra a ninguém no seu perfeito juízo. Pois é precisamente isso o que pretendo fazer de vez em quando, deambular ao acaso por terras do Minho. Tentar num shot de tempo sentir as singularidades de cada lugar.

Escolhi começar por Amares não sei bem porquê. Talvez por me ser mais fácil dar início a esta missão ‘por (a)mares nunca dantes navegados’. O desconhecido permite mais crueza na escrita. Daí a sedução de vir cá parar… a uma vila que só conhecia o seu poético nome.

Arranquei cedinho lá da minha terra. Cinquenta e tal quilómetros para o destino, marcava o gps da viatura. Despachei-os rápido e sem incidentes, a tempo de já tomar a refeição matinal entre o Cávado e o Homem.

Não foi difícil encontrar um desses binómios pastelaria/padaria adequados ao efeito. Se há coisa que vem proliferando são esse tipo de estabelecimentos, ao ponto de me fazer temer pela sobrevivência de espaços mais do meu agrado. Tal como a concertina tem ‘eucaliptado’ alguns instrumentos da nossa região, também se poderá dizer que estes comércios vêm ‘concertinando’ tudo o que é tascos e cafés. Tenho um certo medo disso. Nunca serei capaz de passar mais de meia hora em lugares assim tão acéticos.

Por volta das dez saí porta fora. O ar foi-me servido bem fresco, acabadinho de chegar das montanhas do Gerês. Só que depois de o sorver fiquei sem saber o que fazer. Isto de ter tempo não é fácil, menos ainda quando não se tem nenhum assunto para tratar.

Amares também não convida a andar a pé. Nada encontrei a que pudesse chamar rua. Tudo me pareceu um emaranhado de estradas a indicar saídas. Como se nos quisessem à pressa ver longe dali.

Foi isso mesmo o que fiz. Agarrei na viatura e dirigi-me a Caldelas. Mas a meio do caminho arrependi-me e voltei para trás. Mesmo pertencendo ao mesmo concelho, Caldelas é Caldelas e Amares é Amares. Estaria a aldrabar o projecto logo na primeira crónica.

A hora era a dos martinis, o que me fez querer encostar ao ver um café com mesa de matraquilhos. Se houve coisa que gostei desta terra foi ter podido estacionar sempre em frente de tudo. Fez-me sentir em Los Angeles, embora nunca lá tenha estado.

Ao entrar como não vi ninguém a beber pedi uma frize. Na rua havia três mesas e sentei-me numa delas. Logo a seguir senta-se um trabalhador na mesa ao lado com uma super bock na mão. Olhámos um para o outro e lá fizemos os nossos juízos. Nunca me senti tão vendedor de colchões como naquele momento.

Tentei escrever mas não consegui. Faltou-me o badalar dos matrecos e um martini com cerveja. Havia um tipo em frente a um tabuleiro de damas e não tive a lata de o desafiar. Pareço ainda inadaptado a este papel de procurar coisa nenhuma.

Fiquei ali a olhar para ontem e a beber a minha frize ao som estridente vindo da rádio: Quando ela bate com a bunda no chão. Quando ela pula com a coisa no chão. Chão. Chão. Chão. Chão… chão, chão, chão, chão, chão, chão.

Resolvi dar mais um passeio, a ver se encontrava os reformados.

Caminhar pelas ‘ruas’ de Amares não é de todo desagradável. Assim baralhada com o verde até consegue ser bonita. Mas só porque no Minho nada consegue ser feio.

Aqui parecem andar há séculos a tentar quebrar esse mito. O centro da vila dá ares de ter sido desarrumado por catraios em noite de São João. Há um miradouro debruçado sobre uma pedreira e a praça é cortada a meio pela estrada nacional. Até as igrejas estão meio enviesadas, viradas ao acaso sabe-se lá para onde.

A discoteca cá do burgo é que é capaz de ter interesse. Tem o curioso nome de Lagar’s, e não me pareceria estranho se me dissessem que tem alta produção de azeite aos fins de semana. Quem nunca foi feliz em lugar’s assim que atire a primeira pedra.

Reformados é que nada. Por isso entrei novamente numa das tantas pastelarias/padarias cá do burgo. A lista de sandes parecia os classificados do Correio da Manhã: Maldita, ‘badia’, maluka, eram algumas das sugestões. Escolhi a ‘bampira’ e não me arrependi. Era dessas sandes bem combinadas.. presunto, rúcula e queijo. E ainda bebi dois belos copos de branco servidos até ao beijinho. Tal como se diz tascos: ‘todo ele me soube bem’.

O Sr. Orlando, anfitrião daquele binómio, pareceu-me ser detentor de uma genuína simpatia. Mesmo não me conhecendo tratou-me sempre de forma a que me sentisse em casa. Havia sol, silêncio e ar puro… por isso ali me deixei ficar por tempo indeterminado. A certeza que fui ganhando foi bastante apaziguadora: O Minho ainda está bem longe de ser um caso perdido.

 
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