Ouve sons das corujas à noite no Minho? Não se assuste, ninguém está a “chamar a morte”

CORUJA-DAS-TORRES, BARN OWL (TYTO ALBA) Vila Franca de Xira, 2018.01.18. Foto: Nuno Xavier Moreira

A cultura popular dizia que as corujas “chamam a morte”, porque andam sempre de noite, têm olhos pretos e, sobretudo, por causa das vocalizações que emitem, chegando a incomodar o mais corajoso do humano.

Ao longo das últimas semanas ouvem-se sons de corujas e mochos um pouco por todo o Minho, à semelhança do país, porque há a probabilidade de algumas das espécies estarem em altura de acasalamento. O facto de existir agora um período mais calmo em termos meteorológicos, depois de dois meses onde choveu mais do dobro do habitual, não deverá ter influência direta, embora as presas das aves se encontrem mais ativas durante a noite.

O MINHO falou com Pedro Alves, biólogo da associação Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, que nos explicou que existem pelo menos três espécies que ocorrem na nossa região. A espécie mais comum é o mocho-galego (Athene noctua). Em termos de sons estranhos, será a coruja-das-torres (Tyto alba) e a coruja-do-mato (Strix aluco).

“Diria que deve acontecer com muita gente em muitos sítios [ouvir barulhos de corujas à noite]. As espécies mais reconhecíveis (em termos de som) para as pessoas deverão ser, por ordem: mocho-galego (Athene noctua), coruja-do-mato (Strix aluco) e coruja-das-torres (Tyto alba)”, disse-nos Pedro Alves, acrescentando que “em zonas mais isoladas, por vezes há também histórias com outras espécies, com grande destaque para o bufo-real (Bubo bubo), um animal absolutamente imponente”.

Explica o biólogo que “dentro das rapinas noturnas há a divisão popular em mocho, coruja e bufo, mas “essa distinção não tem nada que ver com taxonomia, mas sim com características morfológicas, uma vez que fazem todas parte da ordem strigiformes”, esclareceu.

A assustadora vocalização de uma coruja-das-torres

Para Pedro Alves, um dos chamamentos que mais assustará as pessoas é o da coruja-das-torres (Tyto alba), algo verdadeiramente “assustador quando não se sabe o que está a produzir o som”. O biólogo lembra ainda: “Imagine as interpretações disto antigamente!”.

“Diziam que as corujas chamavam a morte, por causa de andarem à noite, terem os olhos pretos (no caso da Tyto e da Strix), e fazerem estes sons. E no caso da Tyto ainda se adiciona o facto de usarem os pontos altos das aldeias para caçarem, que eram geralmente as torres da igreja. Daí o seu nome e daí gerar-se ainda mais misticismo à volta dela”, explica o biólogo.

Se é possível que estas aves se encontrem mais ativas nas últimas semanas, com a paragem regular da chuva forte que assolou a região durante quase dois meses, Pedro Alves sustenta que “pode acontecer”.

“Os animais todos, nos intervalos de chuva, em períodos de precipitação constante, ficam mais ativos. E isso vale para qualquer animal. Têm de se alimentar e com chuva é difícil, se não impossível. Principalmente para as rapinas noturnas, que dependem quase exclusivamente da audição para caçar”, explicou.

Pedro Alves acrescentou ainda que “ao nível das vocalizações, podem-se ouvir mais nestes intervalos de chuva, mas esse comportamento estará mais dependente da época de reprodução do que propriamente das condições climatéricas”.

Segundo um relatório da Universidade de Évora, consultado por O MINHO, diferentes espécies de corujas-da-torre “emitem diferentes vocalizações para assinalarem o seu território e, por isso, podemos detetá-las e reconhecê-las quando os pontos de escuta se encontram próximos desses territórios”.

Adiantam ainda que “a repetição desta metodologia ao longo dos anos nos mesmos pontos permite-nos perceber se as populações destas espécies estão estáveis, a diminuir ou a aumentar”.

Presságios de morte na Idade Média, sagradas na Grécia antiga

A mistificação dos sons das corujas e mochos levam a que sejam consideradas ícones do mau agouro e do presságio de morte desde, pelo menos, a Idade Média. Em África, estas aves estão associadas à magia e feitiçaria. Por outro lado, na Grécia antiga, o mocho-galego era associado à deusa Atena, representante da sabedoria, e se uma destas aves voasse por cima de uma legião grega era um sinal de bênção divina aos soldados. Strix, nome que engloba muitas espécies em vários países e até continentes, é grego para “bruxa” ou “feiticeira”. Alguns índios do Arizona (Estados Unidos) acreditam que o homem quando morre, ressuscita como um mocho.

Pedro Alves lembra, por curiosidade, que “o mocho-galego tem como nome científico Athene noctua, por causa da relação com a Deusa da sabedoria Atena.

Um casal consome até 3.700 ratos por ano

No caso da coruja-das-torres, um casal consome, ao longo de um ano, entre 1.720 a 3.700 ratos e entre 2.660 e 5.800 insetos.

Pedro Alves considera “muitíssimo importante referir os serviços de ecossistema” que estas aves nos dão, “como o controlo de pregas agrícolas e domésticas, como alguns roedores e insetos”.

De acordo com o portal do STRI – Rapinas Nocturnas de Portugal, um projeto da Associação ALDEIA criado em 2012, “a população de coruja-das-torres está a diminuir em Portugal, à semelhança de outras aves típicas de zonas agrícolas”.

Dessa forma, em conjunto com o Laboratório de Ornitologia da Universidade de Évora (LabOr-MED) e a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) lançaram o primeiro censo nacional de coruja-das-torres, que decorreu entre fevereiro e junho deste ano.

No livro As Rapinas Nocturnas na Cultura Popular Portuguesa, editado pela mesma associação, existem diversas fábulas e crenças relacionadas com estas aves e a região do Minho.

Um dos exemplos é uma quadra cantada em Guimarães, noutros tempos:

“Moro à beira do monte,
Meus vizinhos são penedos:
Não tenho quem cho’re por mim,
Senão mochos ou morcegos"

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