Elas passam as manhãs nos centros de saúde, a desabafar as mágoas da prole na sala de espera.
Eles passam as tardes à porta dos cafés, em acesas discussões sobre futebol e política.
Elas e eles desfiam as horas do tempo que têm de sobra nos Centros de dia.
Alguns mais expeditos aproveitam as oportunidades das universidades sénior, enriquecendo-se interiormente com novas competências intelectuais, e muitos dos mais aptos assumem o papel de avós a 100%, sendo o apoio fundamental para as famílias fast-food, onde tudo o que está a acontecer já foi passado, pois não há tempo a perder para coisa nenhuma muito menos para ser família.
Mas a maioria dos idosos passa as horas que parecem não passar nunca nos lares onde foram quase sempre depositados a contragosto, considerados empecilhos nas vidas tão cheias de quem é produtivo e pertence ao lado do ratio do cidadão ativo.
Assim é o espectro de atividades dos aposentados, a massa de cidadãos em crescendo que é considerada pelos economistas como a «peste grisalha», e embora apenas uns verbalizem são muitos os que assim pensam.
Senão vejamos, os aposentados constituem um problema insolúvel em sociedades progressistas sem folga económica como é a nossa. As reformas suadas fruto dos descontos efetuados durante o período de atividade laboral seriam economicamente viáveis se se mantivesse o ratio de cidadãos ativos e aposentados. Com o envelhecimento da população portuguesa que ocorre a um ritmo assustador – a OCDE prevê que ocupemos o desonroso terceiro lugar no ranking dos países mais envelhecidos do mundo em 2030 – os reformados serão muito mais do que os que trabalham pelo que o Estado não terá como pagar as reformas.
O que mais incomoda em tudo isto é como todo o sistema está viciado de tal forma que é difícil uma solução para o problema ao qual a Coligação intitulou e bem de «desafio demográfico».
Incentivos à natalidade como a construção de creches e o estímulo a trabalho tempo parcial que possibilite a parentalidade são importantes mas não suficientes, porque é necessário muito tempo para se fazer notar na pirâmide demográfica a inversão da tendência ao envelhecimento.
Aliás basta ver o exemplo da China, onde a alteração da política do filho único para dois filhos por casal não se fez sentir, tendo inclusive como barreiras as empresas que vergonhosa e descaradamente tentaram implementar multas às mulheres que engravidassem «sem consentimento» das entidades patronais. Em Portugal essas medidas de desincentivo à natalidade são aplicadas sob forma de coação sub-reptícia, e sem provas consistentes de culpa formal não existe o alegado crime.
Nas sociedades primitivas, que servem de molde para o estudo da antropologia, os idosos nunca perdem o seu estatuto, os anciãos são respeitados, a sua opinião é sempre tida em conta, a idade é um posto.
Está provado que a organização destas sociedades tribais é de grande solidez contra a entropia, ao contrário das sociedades desenvolvidas que estão a ser soterradas pelo excesso de bens de consumo «indispensáveis» para a qualidade e conforto, do tal nível de vida que todos aspiram ter.
Assim sendo, muito teriam certamente a aprender os políticos e legisladores com estas civilizações que tratam bem os seus idosos.
O facto de se atingir a idade dos 65 anos – a terceira – ou a dos 80 – a quarta idade, não torna as pessoas que se encontrem na posse das suas faculdades menos válidas.
É ridículo até infantilizar os mais velhos, falando com eles como se de crianças se tratassem. É insultuoso descurar a sua vontade.
E é um desperdício não aproveitar o seu saber de experiência feito para ensinar os mais novos ou para exploração de outras competências. Ostracizar as pessoas mais velhas e considerar que apenas os que estão a singrar nas carreiras são mais úteis, apenas porque exibem mais as suas competências ou porque têm uma imagem de maior eficácia é um erro crasso. A definição da carreira de uma pessoa como um compartimento estanque é uma verdadeira aberração; ao longo da vida muitas vezes o ser humano descobre-se possuidor de outros talentos, e para os explorar e fazer render por exemplo numa etapa mais tardia da vida é necessário ter contato com eles, por exemplo através da frequência de cursos de formação noutras áreas, permitindo que os idosos se integrem de novo na sociedade produtiva em papéis completamente distintos dos que desempenharam no auge da vida ativa anterior.
Essa atitude do aproveitamento dos mais velhos como mais-valia social com um horário adaptado às suas atuais capacidades, (muitos dos aposentados precocemente fizeram-no como consequência do peso do excesso de horas laborais e do desgaste sentido no antigo posto de trabalho), poderia mesmo ter resultados palpáveis na diminuição da morbilidade geriátrica, principalmente a nível psicológico pela reintegração na rede de convívio com novos colegas evitando a nefasta solidão, pela sensação de utilidade cívica e pelo salutar exercício mental.
E para os que realmente não conseguem dar mais de si para o bem-comum, é essencial proporcionar condições mais condignas e acessíveis de acolhimento em lares (é ultrajante a disparidade entre as condições de alguns lares que funcionam em garagens e as chamadas residências séniores de luxo), diminuindo a carga negativa que reside nas instituições para idosos, e permitindo libertar as famílias que não podem cuidar dos mais velhos de sentimentos de culpa. Um maior investimento da fatia orçamental para a construção de lares de idosos com boas condições e para o reforço das equipas multidisciplinares de pessoal de apoio como assistentes sociais, auxiliares com formação apropriada, e técnicos de saúde seria desejável.
Talvez olhar para o problema de pernas para o ar permita um ângulo de visão mais abrangente que ajude a solucionar o calcanhar de Aquiles da pirâmide invertida, a pedra de toque para enfrentar melhor o desafio demográfico.