Neste Artigo
CRÓNICA
Luís Moreira, jornalista
O pintor moçambicano Elias Mathonse, que viveu 14 anos em Braga, está vivo, de boa saúde e continua a pintar. E tem saudades de Braga, terra onde se naturalizou bracarense.
Esta simples constatação não teria sentido num artigo de jornal, não fora o facto de o Elias ter deixado dezenas de amigos, de vários matizes, na cidade onde viveu entre o começo da década de 90 do século passado e o início do século XXI. Sucede, por isso, que muitos são os que, tendo privado com ele, perguntam como está, mais a mais porque correu o boato de que estaria mal de saúde e teria morrido.
Acresce, ainda, que há dezenas de desenhos e pinturas dele espalhadas pelas casas, escritórios e restaurantes da cidade, um legado que espelha bem a amizade luso-moçambicana vivida pela grande maioria dos portugueses.

O Elias veio para Braga para estudar Engenharia Civil na Universidade do Minho. Tinha uma bolsa de estudo da Fundação Calouste Gulbenkian com a duração de um ano e que só seria renovável se passasse de ano. Sucede que a generalidade dos estudantes dos Palop’s vinham mal preparados de origem, sobretudo na área das Matemáticas, pelo que, e quiçá também por culpa própria, chumbou e ficou sem bolsa, ou seja, sem sustento.
Não havia apoio aos estudantes dos PALOP
Na altura, as autoridades portuguesas, e também a UMinho, não tinham sistemas de apoio a este tipo de alunos – nem pedagógico, nem social -, sendo a filosofia dominante a de que “não eram mais do que os outros”. Algo de que sempre discordei, por entender que, se eram nossos convidados deviam ser tratados como tal. Daí que, por essa altura, eu, em 1989, tenha ajudado a criar o primeiro Departamento de Apoio aos alunos dos PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa] na Associação Académica da Universidade do Minho. E a UMinho acabou por mudar a sua postura.

Com o fim da bolsa, o Elias, tal como sucedeu a dezenas de outros universitários africanos, não quis regressar a casa porque havia que cumprir o sonho de conseguir uma licenciatura. No seu caso, e dado o seu caráter expansivo e afetivo e o seu carinho por Portugal, começou a comercializar os seus quadros – quase sempre retratando temas rurais da sua zona de origem, Magude, no sul do país – para conseguir viver. Até por que, mais do que engenheiro, o que ele queria mesmo era pintar…
Amigos, aventuras, boémia
Com o tempo, foi somando amigos, aventuras, namoros, apimentados com noitadas boémias onde, diga-se, eu, ainda solteiro, era seu comparsa. E chegou a ir aos Estados Unidos, onde o irmão Antoninho era diplomata de Moçambique, fazer uma exposição das suas pinturas. E fez algumas na nossa cidade. Eram os anos 90, tempos de esperança!
Sucede que, com os anos a passarem, e sem grandes condições de trabalho, o Mathonse foi perdendo capacidade de viver dos quadros e desenhos. Os amigos já lhe tinham comprado quadros (alguns têm vários), e a escassez de fundos começou a sentir-se. Refugiou-se, então, no álcool, começando a consumir com algum excesso, e a pintura foi-se desvanecendo.

Partiu amargurado
Acabou por ter de, amargurado porque amava Braga, ter de voltar a Maputo onde ainda vive. Ali, e depois de um período também conturbado, quiçá ajudado pelo desgosto de ter voltado em condições precárias, levando uma vida boémia, para alguns “vida de artista”.

Hoje está totalmente recuperado e ativo, convivendo com a família e os amigos. Há dias, depois de ter falado com ele ao telefone e ter estado com a irmã Idalina e marido no Porto, lembrei-me que a Braga Capital da Cultura poderia ter incluído na sua programação uma mostra das suas obras, proporcionando-lhe um regresso a Braga.
Seria, também, uma forma de a ‘Capital’ ser um pouco mais humana – e não estou a criticar o evento ou a sua organização – e, em simultâneo, contribuir para o reforço da amizade com um dos PALOP, uma riqueza que temos e que alguns desprezam.
O Elias é meu compadre e meu amigo! Espero, por isso, dar-lhe um abraço dia destes, mais cedo do que tarde, porque o tempo não volta para trás.