Da lista de dez nomes a quem foi dirigida a ameaça de um grupo de extrema-direita constam três ativistas de Braga, Barcelos e Guimarães, que fazem parte da Frente Unitária Antifascista (FUA): Jonathan Costa, Vasco Santos e Luís Lisboa.
Dois deles já apresentaram queixa, mas a FUA irá apresentar denúncia conjunta nas autoridades. Consideram que a ameaça é para levar “com a seriedade necessária” e demonstra o escalar da violência e o crescimento da extrema-direita em Portugal para a qual têm vindo a alertar.
Na terça-feira à noite, a ameaça chegou por e-mail à organização SOS Racismo e à FUA, tendo como remetente um movimento que se autoproclama nacionalista chamado Nova Ordem de Avis – Resistência Nacional.
O texto refere dez pessoas, entre as quais as deputadas do BE Beatriz Gomes e Mariana Mortágua, a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira, bem como o dirigente do SOS Racismo, Mamadou Ba.
“Informamos que foi atribuído um prazo de 48 horas para os dirigentes antifascistas e antirracistas incluídos nesta lista, para rescindirem das suas funções políticas e deixarem o território português”, escreveram os neonazis no e-mail.
Se estes não cumprirem, ameaçam que “medidas serão tomadas contra estes dirigentes e os seus familiares, de forma a garantir a segurança do povo português”.
A Polícia Judiciária (PJ) já está a investigar para identificar os autores. A investigação está a ser coordenada pela Unidade Nacional de Contraterrorismo, que investigou também os skinheads.
“A FUA já vinha há algum tempo a alertar para o crescimento da extrema-direita”
Vasco Santos, além de pertencer à FUA, foi candidato à Câmara de Barcelos e à Assembleia da República pelo Movimento Alternativa Socialista (MAS) e é também sindicalista.
Considera que a ameaça deve ser encarada “com a seriedade necessária”. Ainda não apresentou queixa. “A FUA vai apresentar em conjunto”, adiantou a O MINHO.
“A FUA já vinha há algum tempo a alertar para o crescimento da extrema-direita e para este escalar de violência que exige uma resposta do Governo e da Assembleia da República. Toda a gente deve dar uma resposta clara a esta ação. Não é aceitável numa democracia que tenhamos que viver com este tipo de situações”, considera Vasco Santos.
Para o sindicalista, o crescimento da extrema-direita deve ter “uma resposta da esquerda em conjunto, que não tem tido, infelizmente”, lamentando que “uma das vozes do fascismo” tenha “palco” na Assembleia da República através do Chega. “Era importante que tomássemos atitudes para travar este crescimento da extrema-direita”, sublinha Vasco Santos.
“Não estamos com medo, mas claro que tomamos precauções”
Jonathan Costa, coordenador principal da FUA, considera que “este tipo de ameaças dá mais vontade de acabar com eles [neonazis] do que ter medo”.
“Já estamos habituados a este tipo de ameaças. Agora, por um e-mail que ninguém consegue identificar, assinado por um grupo que ninguém sabe realmente quem é, isto é a primeira vez, um bocado mais preocupante que o habitual”, avalia o ativista que já foi várias vezes atacado, uma delas uma tentativa de homicídio por skinheads que foram recentemente acusados pelo Ministério Público.
“Não estamos com medo, mas claro que tomamos precauções”, acrescenta Jonathan Costa, dando conta que a FUA está já em contacto com “uma série de organizações que estão ativas nesta luta” e estão já a ser planeadas ações de resposta a esta ameaça.
Para o coordenador da FUA, o crescimento da extrema-direita e da sua ação cada vez mais violenta, era algo para o qual já vinha alertando. “Tínhamos avisado que, por enquanto, era só eu a receber ataques, mas que isso ia ser alargado. E agora foi alargado até a deputados, o que mostra também uma escalada de violência”, acentua Jonathan, informando que já fez queixa nas autoridades, como “vários dos elementos visados”, e que não tem proteção policial.
Novamente ameaçado
Já durante a tarde desta sexta-feira, a FUA emitiu um comunicado em que dá conta que, esta quinta-feira, “por volta das 13:15, Jonathan Costa recebeu mais uma ameaça por parte de um perfil com o nome Nuno Pais, ameaçando que no final do mês estariam presentes em Braga para lhe ‘iluminar o cérebro’ [sic], alegando saber onde reside, e acrescentando que o activista Mamadou Ba já teria sido igualmente informado, entre insultos e impropérios”.
A FUA considera que “estas mensagens enviadas pela organização/milícia neofascista NOA-RN tem como objetivo intimidar dirigentes antifascistas, anti-racistas, sindicais e de partidos de esquerda”, pelo que a organização “entrou de imediato em contacto com todos os visados, apelando a uma reunião no sentido de existir uma resposta comum a estas ameaças, lamentavelmente não houve por parte de alguns dos visados a ‘disponibilidade’ para tal”.
“Reiteramos que respostas unitárias são mais importantes do que nunca, por isso, apelamos mais do que nunca à união de toda a esquerda contra este inimigo em comum”, lê-se no comunicado.
“Ameaçar as famílias [dos visados] é do mais reles e cobarde”
“Dado o pavor que suscitou na [sua] família”, outro dos visados, Luís Lisboa, coordenador da FUA em representação do Núcleo Antifascista de Guimarães, também já apresentou queixa na PSP que “seguiu logo com número de processo para a PJ”.
“A partir do momento em que tomaram conhecimento da urgência do caso, fui muito bem tratado na PSP, mas o máximo que puderam fazer foi dar-me o número de telefone direto para ligar com eles. Claro que as deputadas terão já [proteção], mas infelizmente nós não e daí também a cobardia dessa ameaça”, defende.
Luís Lisboa não hesita em classificar a ameaça de “ato vil e cobarde” por ameaçar as famílias dos visados. “Tem pessoas na lista que não são figuras públicas e não têm a proteção que têm, por exemplo, as deputadas, mas pior ainda é fazer chegar essas palavras a famílias, idosos, crianças, que nada têm a ver com o assunto. Isso é do mais reles e cobarde que pode acontecer e que esta nossa democracia permite”, critica. “Isto são machadadas na nossa democracia”, reforça.
Relativamente à ameaça, não a desvalorizando, Luís Lisboa considera que, “primeiramente, isto é puro marketing e show off por parte do grupo para numa semana deixar o anonimato e passar a ser reconhecido por todo o mundo. São apenas os cães de fila a chegarem-se à frente e a dar a cara pelos testas de ferro”.
Considera que deve “haver uma reação conjunta, tentar sempre unir esforços com todos os visados” e lembra, também, que já há bastante as organizações antifascistas têm alertado para o crescimento deste “grupos neonazis e de extrema-diretia, ultranacionalistas, que importam – é o mais curioso – os costumes da Europa de leste e dos Estados Unidos da América ao invés de exaltar os supostos ideais nacionais”.
“A FUA e os núcleos antifascistas têm vindo a crescer também por necessidade, por nos sentirmos cada vez mais amordaçados e oprimidos nesta gigante onda de crescimento da extrema-direita. É um perigo e uma ameaça para todos os pensadores livres, humanistas e todas as pessoas que se qualificam de esquerda. É uma perseguição política, contra a liberdade de expressão, um atentado à democracia”, conclui.
Antes desta carta, em princípios de agosto, a Nova Ordem de Avis tinha enviado um outro e-mail ao SOS Racismo com uma espécie de “carta de apresentação”, onde já estavam implícitas ameaças genéricas.
Afirmava ter sido criada a 25 de julho de 2020 como “uma organização nacional, integrando uma nova milícia, que renasce em Portugal baseando-se na antiga Ordem de Avis (OA) e a Legião Portuguesa (LP)”.
Autointitulam-se “fruto da convergência das diferentes forças nacionalistas numa luta em comum contra as esquerdas empenhada a defender os traidores da Nação e o braço armado contra os nossos combatentes nacionalistas, a Antifa”.
Notícia atualizada às 20h13 com comunicado da FUA.