O Tribunal da Relação de Guimarães ordenou ao juiz de instrução de Braga que autorize a tomada de declarações para memória futura a uma menor de oito anos que o Ministério Público (MP) suspeita que terá sido sexualmente abusada pelo pai, aos sete anos, na zona de Braga.
No decurso do inquérito, o magistrado do MP de Braga pediu que fosse autorizado o ato processual, mas o juiz discordou, alegando que a vítima menor já tinha sido inquirida pela Polícia Judiciária de Braga e “nada terá dito de relevante”, bem como o facto de a menina não ter revelado na perícia psicológica, a que foi sujeita, “a experienciação de qualquer ato abusivo”.
Quem manda é o MP
O MP recorreu e os juízes da Relação deram-lhe razão: “É o Ministério Público que decide as concretas diligências que visam investigar a existência do crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação”, diz o acórdão.
E acrescenta: “Se o Ministério Público entende que a nova audição da (pretensa) ofendida menor de crime contra a autodeterminação sexual deverá ser feita em inquirição judicial para memória futura, restará ao Juiz de Instrução aferir tão-só da verificação dos requisitos previstos no Código de Processo Penal, sem incorrer em quaisquer juízos de oportunidade.
Concluem os juízes que, “estando em causa a inquirição de uma ofendida ainda menor no âmbito de processo por crime contra a respetiva autodeterminação sexual, tal inquirição judicial antecipada é obrigatória, sob pena de irregularidade”.
Apesar disso – sublinham – “os riscos de vitimização secundária e de distorção probatória adquirem maior acuidade no caso das vítimas menores de crimes sexuais”.
Crime de abuso
No caso em apreço, é investigada a suspeita da prática de um crime de abuso sexual de criança agravado pelo arguido contra a sua filha menor, nascida em 2015. Terá tido “comportamentos menos próprios para com a sua filha, nomeadamente dormir sozinho com a criança e dar banho a esta com a porta fechada”.
A criança que, na configuração do MP é uma vítima especialmente vulnerável, foi ouvida na PJ em 28/10/2021 e, com relevância ao objeto do processo “crime contra a autodeterminação sexual de menor”, nada de relevante disse”.
Consta, ainda, dos autos um relatório de perícia psicológica à criança do qual, entre o mais, resulta “que ao longo de toda a avaliação, a menor não produziu qualquer relato espontâneo que indiciasse a experienciação de qualquer ato abusivo seja por parte do arguido”, não tendo assim o técnico abordado a questão sobre o evento descrito nos autos “no sentido de prevenir a vitimização secundária”.
Sobre estas objeções, a Relação defende que a perícia psicológica não tem valor probatório e diz que as declarações feitas na PJ não invalidam a necessidade de a criança ser ouvida para memória futura.