Jovens cabo-verdianos e guineenses, os dois países sonhados como uma nação por Amílcar Cabral, evocam hoje o líder da luta contra o colonialismo português como um símbolo de um passado longínquo que deve ser continuado pelos políticos de hoje.
“A sua luta valeu a pena porque hoje Cabo Verde é livre, independente, capaz de escolher os caminhos do futuro. Nunca mais vamos voltar a ser escravos, por causa da grande ajuda de Amílcar Cabral”, que morreu há 50 anos, diz à Lusa Bruno de Pina, 18 anos, estudante do 11.º ano numa escola secundária na capital cabo-verdiana.
“São os governantes que estão a fazer o seu povo de escravo. Dão trabalho, mas os lucros são poucos. E Cabral não queria isso, queria que Cabo Verde desenvolvesse tal como outros países africanos e europeus”, desabafou à Lusa, em passos apressados numa rua de Achada de Santo António, bairro de onde é natural e o mais populoso da cidade insular da Praia.
A quase mil quilómetros de distância, na capital da Guiné-Bissau, onde o cabo-verdiano Amílcar Cabral liderou a luta contra o poder colonial português, o sentimento é o mesmo e persiste a sensação de que há muito por fazer.
O líder cabo-verdiano que lutou nas matas da Guiné-Bissau e é considerado o pai fundador dos dois países é “um homem de grande exemplo e nós, como filhos da Guiné-Bissau, desejamos que todos ou algumas pessoas tivessem como exemplo o Amílcar Cabral”, afirma à Lusa Aminatá Só, a partir de Bissau.
Segundo Aminatá Só, apesar de ser originário de uma “boa família”, com estudos em Portugal, Amílcar Cabral “não queria ser livre enquanto o povo sofresse”, por isso, decidiu “lutar e dar aulas”.
Cabral “mostrou-nos que a escola é a primeira coisa da vida. Deu aulas na rua, aos nossos pais e aos nossos avós e sensibilizou o povo guineense e cabo-verdiano para mostrar o valor da liberdade nacional”, disse, lamentando que o seu exemplo não seja hoje seguido.
“Aproveito para pedir a todos os guineenses para seguirem o exemplo de Amílcar Cabral”, defende a jovem, um testemunho que se repete na boca de outros jovens guinenses.
“Amílcar Cabral é o nosso herói. Ele é que nos libertou. Era um homem muito inteligente e nós temos orgulho desse homem. Queríamos conhecê-lo, mas como já morreu, vamos realizar os planos, as ideias que tinha, vamos lutar muito”, promete Silvestre Vaz.
Para Emanuel Biai, Amílcar Cabral foi um “patriota guineense” que libertou os guineenses da “escravidão”.
Em Cabo Verde, um pouco mais velho, com 36 anos, o agente cultural Patrick Borges, natural da ilha de São Vicente e residente na cidade da Praia, diz que Cabral ajudou a afirmar a identidade cabo-verdiana.
“Cabral tentou dizer algo do género: se vamos cometer erros, que sejamos nós mesmos a cometê-los e assumi-los, e não viver com erros dos outros”, referiu, notando que o pai das nacionalidades cabo-verdianas e guineenses foi dos primeiros a criar editoras de música para Cabo Verde, mais concretamente a Morabeza, atualmente os Países Baixos.
“Mas também vários poemas e livros que escreveu, literatura”, apontou, sugerindo também mais estudos sobre a sua vida. Tudo para “pararmos de estar tão preocupados em saber quem matou Cabral, como morreu, e tudo isso”, diz, defendendo que “é preciso tentar saber sobre a sua vida porque talvez lá que está a inspiração”.
Para sustentar ainda mais a sua tese, Patrick Borges lembrou que Cabral foi eleito em 2020 o segundo maior líder mundial de sempre, numa lista elaborada por historiadores para a BBC e com a votação dos leitores.
“Talvez por isso devíamos olhar mais para esse senhor e para o seu legado e ver realmente o que ele queria para nós, mais do que essa questão do assassinato e quem é mais ou menos culpado”, insistiu, criticando a “manipulação” feita pelos dois maiores partidos cabo-verdianos em relação à sua imagem.
Se por um lado diz que o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) utiliza Cabral como sua “imagem”, notou que o MpD tenta “diminuir” essa mesma imagem, o que considerou dificulta na descoberta da “luz” que sempre foi para o arquipélago, onde viveu parte da infância e adolescência, antes de se licenciar em Agronomia, em Portugal, em 1950.
Aos 40 anos, Guilherme Miranda, natural de Santa Catarina, na ilha do Fogo, também vê Cabral como um herói e um combatente, tal como lhe foi ensinado pelos seus antepassados, referindo que tinham em mente a igualdade do ser humano.
Por isso, acredita que se estivesse vivo era ainda de mais referência a ser seguida, sobretudo pelos jovens: “Não ir para guerra fazer vandalismo ou matar pessoas, mas lutar pela nossa pátria, defender o nosso município, o nosso concelho, a nossa família e seguir na direção correta, o exemplo de Amílcar Cabral”.
Para este empresário da construção civil, a vida de Cabral era uma espécie de “bíblia”, onde não passava mensagens negativas, pelo que insiste que é um exemplo que deve ser seguido por todos ainda hoje. “Há muita gente que ainda o emita, no lado positivo, no que fez de bom”.
Filho de Juvenal Cabral e Iva Pinhel Évora, o líder histórico nasceu na Guiné-Bissau em 12 de setembro de 1924, partiu para Cabo Verde com oito anos, acompanhando a sua família, onde viveu parte da infância e adolescência.
Posteriormente, foi fundador do então PAIGC, que deu lugar ao PAICV, líder dos movimentos independentistas nos dois países, e foi assassinado em 20 de janeiro de 1973, em Conacri, aos 49 anos.