ARTIGO DE OPINIÃO
Priscila Corrêa
Advogada luso-brasileira radicada em Braga
De quantas batalhas são feitas as guerras?
Esta foi a pergunta que me ocorreu ao sair da Loja do Cidadão de Braga no passado dia 05 de abril. Data que ficou marcada por uma sensação de acolhimento, misturada com deceção.
Fui recebida na AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo com toda a cortesia, pela Dra. Edite, coordenadora do posto de atendimento de Braga, que outrora estava ligado ao SEF de Viana do Castelo.
Não é à toa que esse posto de atendimento sempre foi dos mais competentes, já que a seu cargo se encontrava uma funcionária da função pública que respira imigração há mais de três décadas. Ah, se todos se chamassem Edite, que bom seria… Mas, infelizmente, pude constatar que o empenho dessa funcionária esbarra na já conhecida “burocracia do sistema”.
Estamos em luta, eu e a Dra. Edite, mas contra o mesmo mal, que, numa visão superficial, nos coloca em lados opostos. A falha não é humana, é estrutural, conceitual, política!
De todos os diretores empossados no ato da recente criação da AIMA não se pode falar sobre o futuro. Será que vão se manter no cargo? E a Secretaria de Imigração que acabou de ser extinta? Um claro enfraquecimento da pauta imigrante no atual governo.
De outubro de 2023 até agora, uma mudança profunda na Assembleia da República e nos Ministérios e Secretarias colocou em xeque a situação já dramática da imigração em Portugal.
Organismo ainda é bebé
Ouvi do Dr. Artur, Diretor do Departamento de Acesso Omnicanal (OMNI), órgão responsável por todas as lojas de atendimento da AIMA no país, que o organismo era apenas um bebé. A conversa foi longa, de quase uma hora, mas no concreto nenhuma solução imediata foi apresentada. Pediu-me paciência.
A mesma frase foi dita pela Dra. Isabel Lima, Coordenadora da Loja AIMA do Porto. Essa frase já virou um lugar comum dentro da AIMA, e dita como se diz “bom dia”, na certeza de que, com isso, consigamos acalmar os utentes necessitados de soluções, de manutenção de empregos, e do salário no fim do mês, o que exige um título de residência válido.
Desculpem, senhores. Não estamos diante de um bebé, mas sim de um filho adolescente rejeitado, cujo problema de comportamento tende a ser justificado pelos pais que simplesmente fizeram vista grossa a todos os claros sinais de que as coisas não iam bem.
A lei já teve 15 alterações A lei de imigração tem 17 anos. Já sofreu 15 alterações ao longo dos anos, e o SEF já existia desde 1986 até à sua extinção em outubro de 2023. Essa extinção já era prevista desde o governo anterior do PS, e foi confirmada em 22/10/2021, impulsionada pelo caso da morte do cidadão ucraniano no Aeroporto de Lisboa em que os inspetores responsáveis foram condenados pelo crime brutal.
Após dois anos da condenação “nasce” a AIMA, enxuta em número de funcionários mas também em atribuições, já que suas competências gerais foram redistribuídas por sete órgãos diferentes (IRN, PSP, GNR, PJ, UCFE e AT).
Não falemos mais em bebé, senhores. A fala gera vergonha. Aos bebés prepara-se o enxoval, fazem-se os exames pré-natais, arruma-se o quarto e troca-se de mobília, pintam-se paredes, arrumam-se os espaços, tudo isso antes da sua chegada. Imaginem um pai e uma mãe que estão há dois anos à espera do nascimento do filho, e quando ele finalmente chega, passados seis meses de vida, os seus responsáveis não conseguem ajustar a vida com a desse novo ser.
AIMA o Frankenstein da Administração
A AIMA é um Frankenstein da Administração Pública fracassada. É a prova concreta de que o Governo não tem uma política de gestão organizada, que é incompetente para garantir o acesso digno a direitos básicos a toda uma população de imigrantes.
Hoje somos quase um milhão, contabilizando os ainda à espera de documentos. Olhando numa visão mais profunda, isto é a prova de que Portugal não foi capaz de se inserir numa cultura de boa gestão e modernidade, pois aqui sobrevivem protocolos arcaicos que não são compatíveis com nenhum outro país da União Europeia. Apesar do montante próximo de 200 milhões de euros que o Estado recebe de investimentos nesse setor.
Parece-me que a guerra só está no começo e muitas batalhas vêm pela frente.
Por isso, convoco a classe de imigrantes, associações de imigrantes, juristas, a sociedade civil, a lutarmos juntos por condições dignas de atendimento. Mas também por uma mudança de paradigma.
Quando vamos deixar de ser atrasados?