Há 20 anos que Terras de Bouro tem um Julgado de Paz para resolver pequenos litígios de forma simples

Cão que bate num carro, árvores que caem para o vizinho e vacas que comem repolho são alguns dos casos julgados
Liliana Patrícia Teixeira. Foto: DR

O município de Terras de Bouro tem, desde 2004, um Julgado de Paz onde – diz a juíza Liliana Patrícia Teixeira – “a maior parte dos processos se prendem com litígios entre proprietários, em especial, relativos a plantação de árvores e arbustos, paredes e muros divisórios, litígios relativos a águas, passagem forçada momentânea, ações de usucapião”.

Envolvem, ainda, ações de reivindicação, ações de incumprimento contratual, como contratos de empreitada ou contratos de prestação de serviços e acidentes (veículos e embarcações de recreio) mas também ações de responsabilidade civil extracontratual, por danos causados por animais (cães, vacas, garranos, ovelhas). Desde 2004 foram já tramitados 852 processos.

“É um Tribunal em funcionamento num meio mais rural. Aproxima os cidadãos da justiça porque permite pela simplificação processual obter uma sentença de forma mais participativa, célere e económica ao mesmo tempo que permite aos cidadãos o acesso ao direito e à justiça, muitas vezes, relativamente a litígios que nunca seriam submetidos pelas partes aos Tribunais Judiciais”, explica a Juíza de Paz.

E acrescenta: “Isto enquanto cumpre a sua função de pacificação dos conflitos que nos meios rurais, muitas vezes, duram décadas e não raras vezes dão origem a processos crime”.

Nos processos que correm nos Julgados de Paz – salienta, ainda – “é estimulado o acordo entre as partes, seja em fase de mediação, seja em fase de julgamento, o qual é sempre homologado por sentença do Juiz de Paz e porque negociado, dá mais garantias do seu cumprimento, libertando as partes de recorrer a ações executivas para a realização coativa das obrigações que assumiram”.

Cão que bate num carro, árvores que caem para o vizinho e vacas que comem repolho

A título exemplificativo – relata – correram, nos últimos anos, no Julgado de Paz, três ações, sendo que, numa delas, o objeto do litígio foi um pedido de indemnização derivada de danos causados por um animal num veículo automóvel, na freguesia de Souto.

O demandante fazia-se circular no seu veículo automóvel, no período da noite e um cão surgiu na estrada de forma inesperada, ocorrendo um embate. Dele, resultaram danos no veículo e lesões no cão. O cão, em consequência do acidente, ficou com ferimentos e dificuldades de locomoção e o veículo com danos no suporte de matrícula e no para-choques, os quais foram orçamentados em 1.291,98 euros.

A ação foi intentada contra a proprietária do cão. Esta requereu apoio judiciário, para nomeação de patrono e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e, após a nomeação de advogado, foi agendada data para a sessão de pré-mediação, seguida de mediação.

As partes não lograram acordo nem na fase de mediação nem em julgamento, dado a demandada negar ter sido um dos três cães que possuía o causador do acidente. Apurou-se da prova produzida, que sim, era ela a dona do cão. Resultou provado que o portão da sua residência se encontrava aberto e logo após o acidente o cão deslocou-se para lá e aí se manteve durante a presença da GNR no local. Também se provou que um dos três cães que possuía tinha as lesões mencionadas. Foi assim proferida sentença de mérito após o julgamento, na qual a demandada foi condenada pagar ao demandante, os 1291,98 euros. O custo do processo para a demandada teria o valor de 70 euros, todavia, dado o benefício de apoio judiciário ter-lhe sido concedido, nada liquidou.

Laranjeiras e cerejeiras que caíam no terreno vizinho

E a Juíza de Paz dá outro exemplo de litígio resolvido, no caso de um processo relativo à plantação de árvores e arbustos, paredes e muros divisórios (freguesia de Rio Caldo). Os demandantes pretendiam que os vizinhos procedessem ao corte de ramos de árvores e de árvores que caíam para o seu terreno e que procedessem à limpeza do seu próprio terreno com vista a evitar incêndios.

Os demandados entendiam que as árvores que estavam plantadas no seu terreno (laranjeira, ameixoeira e cerejeira), desde o tempo da sua falecida mãe e que por isso, não as tinham que cortar, porque eram anteriores à presença dos demandantes no local e também porque consideravam que já tinham limpo o terreno.

As partes realizaram pré-mediação seguida de mediação, não tendo alcançado acordo. Foi realizado o julgamento com deslocação ao local, com vista, sobremaneira, a conciliar as partes. No local, ambas prestaram declarações, tendo-se alcançado que o conflito era muito mais denso do que tinha sido vertido no processo. Aproveitada a oportunidade de o julgamento estar a ocorrer no local, foram criadas opções às partes, com auxílio também dos mandatários presentes. A audiência, recomeçou, na sede do Julgado de Paz e as partes alcançaram um acordo, quanto ao objeto do processo e também quanto a outras questões que potenciavam o conflito.

Construção de muro resolve diferendo

Assim foi, não só foi acordado o corte dos ramos das árvores e a limpeza do terreno e corte de vegetação junto à estrema, como ainda, a execução de um muro divisório, no prazo de seis meses, após a aprovação de um orçamento a obter, cuja responsabilidade de pagamento ficou acordada, em 75% para os demandantes e 25% para os demandados. Tendo ainda sido definida, a concreta localização do muro, os materiais a usar, altura e comprimento. Mais ficou acordado que em cima do muro seria colocada uma rede fixada em pilares. Foi assim proferida sentença a homologar o acordo obtido em conciliação, em sede de julgamento. O custo do processo ficou em 35 euros para cada parte.

Vacas comiam as couves dos coelhos

Liliana Patrícia Teixeira evoca, ainda, outro litígio, no caso por danos causados por animais. O demandante intentou a ação contra o demandado, tendo peticionado uma indemnização, de 650 euros, pelos danos que lhe foram causados nas suas plantações pelas vacas que eram propriedade do demandado (freguesia de Chorense). Argumentou que tinha pago a duas pessoas para que estas plantassem no seu terreno, couves e semeassem ervas, para mais tarde serem dadas de alimento aos seus animais. Tinha despendido vários dias de trabalho, e comprou adubos e levou fertilizante para o terreno

As vacas propriedade do demandado comeram as couves e as ervas que estavam destinadas aos seus coelhos. Tendo também no ano transato as ovelhas do demandado, já comido as pencas e repolho que aí estavam plantados. O demandante sentia-se ansioso, cansado e aborrecido com o sucedido. Foi realizada sessão de pré-mediação, seguida de mediação e as partes chegaram a acordo. O demandado comprometeu-se a enviar um funcionário seu para substituir as couves em falta no terreno do demandante (couves-galegas/couves-repolho). Foi proferida sentença de homologação do acordo de mediação. O processo teve o custo de 25 euros para cada parte.

150 mil processos no país

Os Julgados de Paz – sublinha, ainda, a Juíza – há muito ultrapassaram o modelo experimental com que foram reinstalados, em 2002. Desde essa altura até ao ano de 2022, foram distribuídos 150 527 mil processos nos Julgados de Paz. O Julgado de Paz de Terras de Bouro desde a sua criação e instalação em 01 de março de 2004, já tramitou 852 processos, o que dá uma média anual de cerca de 40 processos, fruto também do número de habitantes e da dimensão geográfica do concelho de Terras de Bouro.

Os serviços do Julgado de Paz têm atendimento ao público gratuito. Para qualquer esclarecimento de segunda a sexta-feira entre as 08:30 e as 16:30, contacto telefónico 253350060 e por correio eletrónico: [email protected]

 
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