Fui a Fafe e não fanfei

OPINIÃO

ARTIGO DE MANUEL PIMENTA

Esta é a minha quarta incursão para escrever sobre terras do Minho.
Não sei bem porque me lembrei de vir a Fafe… Talvez pelas fortes memórias que a cidade me deu cada vez que foi ter comigo. A claque que levavam aos jogos da bola; o ribombar dos seus bombos nas ‘minhas’ romarias; essa tal coisa da ‘Justiça de Fafe’;… e a forma como os fafenses que conheci levantavam as sobrancelhas ao dizer ‘Com Fafe ninguém fanfe!’
A viagem tinha tudo para dar certo.

Logo ao chegar, a primeira coisa que fiz foi perder-me. A segunda também. Mais outras tantas, que até já lhes perdi a conta. A pé ou de carro, aquilo que mais tenho feito aqui é andar à nora. Cada vez que me
dirijo a algum lugar acabo por dar duas voltas ao bilhar grande. Fafe parece ter sido organizada pelos tipos do IKEA, só que aqui nem colocaram setinhas no chão.
Mas que ninguém pense que isso é mau. Quantas mais vezes me perco numa terra mais depressa a sinto como casa. O meu lado inconsciente deve fazer de propósito.

De tanto me desnortear acabei por conhecer uma cidade bem fixe.
Confesso que não estava à espera de ver tão bonitas casas e palácios. O Teatro também é lindo de morrer… pena o terem confinado a uma rua tão estreita.
Atrás do tribunal, lá estava a estátua que simboliza a identidade desta terra. É provável que aquele homem que se prepara para levar uma paulada tenha ‘fanfado’ com os fafenses. Como ainda não sei bem o que
é ‘fanfar’ tenho procurado andar sossegadinho. Há pouco andava a tirar fotos esquisitas e levei com um olhar que interpretei como um cartão amarelo. Aquilo devia estar nos limites da ‘fanfice’ e se há coisa que não me apetece é levar com um pau no lombo.

Tem piada escrever isto nesta praça. Ao meu lado direito há uma espécie de varanda que se debruça sobre o largo. É nesse ‘primeiro andar’ que se abancam os mais velhos. Alguns estão munidos de paus e de bengalas, o que mistifica ainda mais a coisa. Parecem guardiões dessa tal identidade aqui da terra… preparados para vir cá abaixo malhar se alguém se lembrar de ‘fanfar’.

Gosto de imaginar que isso vai condicionando o que escrevo, mas a verdade é que não tenho ganho motivos para ‘fanfar’ com o que quer que seja. Tem estado um belo dia de setembro e só tenho batido de
frente com gente simpática. No punhado de conversas que entabulei, todos foram afáveis, bem dispostos e afirmativos, além de tudo me ser servido com um sotaque bem castiço e singular:

– Siga ó pra baixo!
– Num bá por aí!
– Tenha calma que eles esperam!
– Dê cá o dinheiro que eu tiro-lhe o tabaco!
– Mas olhe que a melhor bitela num é aí que se come!
– Faça ali uma renúncia e siga em sentido contrário!

Andar perdido teve essa vantagem. Ainda bem que o gps não percebia nada de Fafe e me pôs a falar com tantos fafenses. E que gente tão desenrascada e porreira tenho encontrado.

Bem sei que estes retratos que faço terão sempre um cariz superficial.
Um dia é tempo escasso para poder avaliar qualquer lugar. Mas também sei que de tanto viajar já me sinto um pouco ‘enólogo de gentes’. E não é preciso beber uma garrafa inteira para se saber se um vinho é bom.

Foto: Manuel Pimenta

 
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