Terá sido uma aventura daquelas entre os dias 13 e 16 de fevereiro, tanto para minhotos como para franceses. Primeiro em Cerveira, a partir do dia 13 de fevereiro de 1809, depois em Valença e, por fim, em Caminha. As tropas de Napoleão tentavam invadir o Norte de Portugal a partir da Galiza, mas não conseguiram passar o rio Minho conforme o plano. Para chegar a Braga, destino para onde o general os enviou, tiveram de subir todo o rio Minho até Ourense/Chaves, descer pelos montes até à Serra da Cabreira, em Vieira do Minho, de onde partiram para a cidade dos Arcebispos.
Na Revista Militar, o tenente-coronel Abílio Lousada, num texto de 2009, assinalando os 200 anos da segunda invasão napoleónica, considerou que “invadir Portugal pelo Norte, tendo o Porto como objectivo intermédio, revelou-se um erro, só possível de explicar pela ignorância relativamente ao temperamento das suas gentes, o apego à terra e a relutância em colaborar ou acomodar-se perante intrusos ostensivos; ignorância que se estende à orografia, ao clima e aos recursos alimentares e de alojamento da região, agrestes nos dois primeiros casos e escassos nos dois últimos”.
Falamos da tentativa de conquista do Minho durante a segunda invasão Francesa de Portugal, período em que o Norte do país esteve ocupado entre 03 de fevereiro de 1809 até à Segunda Batalha do Porto, em 12 de maio do mesmo ano, levando à retirada das tropas invasoras. Três anos antes, Napoleão tinha ocupado parte de Portugal na primeira invasão, de forma a “acabar com o domínio” do Reino Unido, nação da qual Portugal era forte aliada. Voltaria a invadir o país em 1810, permanecendo até maio de 18i1.
Resolvidas as questões com o Império Russo graças ao congresso de Erfur, em outubro de 1808, o líder do Império Francês Napoleão Bonaparte decidiu resolver de uma vez a questão de dominar a Península Ibérica, depois de ter ‘traído’ os espanhóis e, em maio desse ano, colocado o seu irmão como Rei, após abdicação dos herdeiros. Recorde-se que, anteriormente, Espanha ajudou as tropas napoleónicas a invadir o nosso país, mas pouco demorou para que percebessem que também eles tinham sido invadidos.
Em Astorga, Napoleão entregou o comando das tropas ao marechal Soult e mandou avançar sobre a Galiza em janeiro de 1809, ao mesmo tempo que tropas portuguesas provenientes do Brasil conquistavam cidades na Guiana Francesa. Soult acaba por encurralar as tropas inglesas na batalha da Corunha em 16 de janeiro, podendo assim marchar sobre Portugal.
23 mil franceses para tomar o Minho e um plano frustrado
Segundo o tenente-coronel Abílio Lousada, em 28 de Janeiro, as tropas francesas tomam conhecimento do “plano de invasão do imperador”, empenhando “três Corpos de Exército constituídos por cerca de 54.000 homens”. Da Corunha, partiriam com 23.000 homens em direção a Tui, passavam o rio Minho rumo ao Porto, onde chegariam “o mais tardar”, em 05 de fevereiro. Os 11 dias seguintes seriam de marcha até Lisboa onde conquistariam a capital entre os dias 13 e 16 de fevereiro, precisamente na data em que levaram uma ‘abada’ dos portugueses em Cerveira e Caminha.
Os invasores começaram, então, a executar o plano. Em Santiago de Compostela, ficaram alguns elementos para proteger a retaguarda. As seguintes divisões marcharam até Ribadávia, Salvaterra de Mino, Tui e Pontevedra, localidades do lado de lá do rio. Os primeiros movimentos, contudo, só ocorreriam entre 08 e 10 de fevereiro, com 16 mil soldados empenhados entre Santiago de Compostela e Vigo. O próprio marechal foi até La Guardia, já perto da fronteira com Portugal, para fazer reconhecimento visual do campo de batalha. Decidiu forçar a passagem a jusante de Tui, mas a corrente era forte, os populares disparavam e o exército português também respondia com bastante astúcia.
Contam as crónicas que o general Bernardim Freire de Andrade, responsável pelas forças portuguesas no Minho, “mandou retirar para a margem esquerda do Minho todos os barcos que havia no rio, posicionou tropas e alguns populares ao longo das margens e instalou o seu quartel-general ao centro da linha, em Ganfei”, já em Valença.
De acordo com a Câmara de Cerveira, a data da chegada àquele concelho corresponde ao dia 13 de fevereiro, embora outras instituições, como a Universidade Lusíada, apontem para o dia 15. Segundo a autarquia, o que ali se passou nas margens do Minho foram verdadeiras “aventuras cerveirenses na defesa do território e na construção da sua identidade”.
“O Forte de Lovelhe, por exemplo, construção temporária, acabou por desempenhar um papel fundamental na resistência das tentativas de união ibérica e durante as Invasões Francesas, ao impedir essas tropas, sob o comando do General Soult, de efetuarem a pretendida travessia do Rio Minho, no dia 13 de Fevereiro de 1809”, lê-se numa publicação a propósito do património histórico daquele concelho.
Em 15 de fevereiro, faz hoje precisamente 214 anos, o tenente-coronel José Joaquim Champalimaud chegou a Caminha, proveniente de Valença, com o seu exército, ajudando assim a defender a passagem do rio Minho dos ataques franceses, que ocorreram precisamente nas horas seguintes, já dia 16 de fevereiro de 1809. Desta vez, tentaram atravessar na foz do rio, mas sem sucesso, acabando por ser ‘corridos’ novamente para Espanha.
Dali, decidiram seguir outra abordagem que, aliás, se revelou bem sucedida. Subiram o rio Minho, do lado espanhol, e chegados à zona transmontana de Chaves conseguiram passar sem grande resistência, tanto da parte de populares como de tropas.
A resistência encontrada acabou por ser a 16 de março, em Salamonde, Vieira do Minho, um dia depois das forças portuguesas terem passado a ser comandadas por um general inglês. Os invasores desceram a serra da Cabreira e surpreenderam as tropas portuguesas, vencendo a batalha.
Já perto de Braga, os invasores voltaram a encontrar resistência, nomeadamente na Serra da Carvalha, entre Póvoa de Lanhoso e Este São Mamede. Os portugueses lutaram entre 18 e 20 de março, mas acabaram por perder. No dia anterior, Bernardim Freire de Andrade responsável pelas tropas portuguesas no Norte do país, tinha sido massacrado por milícias populares minhotas “perto de Braga”, por suspeitas de traição ou abandono.
Entretanto, em Trás-os-Montes, no dia 21 de março, o brigadeiro Silveira, responsável pelas tropas naquela região, conseguiu reocupar Chaves, e quatro dias depois reconquistou o forte de S. Francisco, aprisionando os militares franceses, recuperando a região para a aliança anglo-ibérica.
A 29 de março, Soult e as tropas francesas entravam no Porto provenientes de Braga. Saquearam e conquistaram a cidade. Dias depois, conquistam Penafiel, mas são novamente ‘corridos’ por tropas portuguesas na zona de Marco de Canavezes, acabando por retirar.
Em 05 de abril, o general José António Botelho de Sousa, que comandava os portugueses no Minho, reconquista Braga, enquanto o brigadeiro Silveira, a partir de Trás-os-Montes, conquista tudo até Amarante, já às portas do Porto. Em 13 de abril, reconquista Penafiel. A 12 de maio há uma grande batalha entre Celorico de Basto e Amarante, na região do Marão, com as tropas de Silveira a saírem vencedoras.
A 18 de maio, Soult e as suas tropas fogem de Portugal através de Montalegre, terminando assim a segunda invasão francesa.
Os exércitos de Napoleão haveriam de voltar para uma terceira invasão, ainda mais fortes e extremamente violentos, mas nunca mais voltaram a colocar pés no Minho, avançando pelas Beiras, vindos de Espanha, rumo à capital. Essa terceira invasão durou entre julho de 1810 e maio de 1811.