É a dois passos do restaurante Ferrugem, no alojamento local Casa Ana Monteiro, na freguesia de Portela, em Famalicão, que o chef Renato Cunha destapa o seu mais recente projeto: comida em potes de ferro e cozinhada em lume de lenha.
Esta é uma receita intimista, que se voltará a repetir a 12 e 26 de setembro e que “pretende trazer à memória um sabor e um sentir tantas vezes longe dos quotidianos”, explicou a O MINHO, que lá esteve em reportagem.
À chegada da casa que pertenceu à bisavó da esposa, Anabela Rodrigues Cunha, o lume vai alto e começam a acusar-se algumas brasas. Os potes em círculo e uma mesa de madeira formam os limites de um percurso onde Renato, num vai e vem constante, faz nascer uma atmosfera de cheiros que nos transportam.
No pote maior fervem congros e santolas acompanhados de um ramo de coentros e outros mais que o mar presenteia. No pote médio os galos de raça amarela fundem-se com o louro e dão voltas até atingirem uma maciez impensada. Para o pote pequeno estão reservadas uma feijocas ainda a crescerem na água e para os outros esperam-se ingredientes vários, que esta comida quer-se lenta e conversada.
O cepo ali ao lado e o machado convidam a puxar pela força. “Quem quer rachar uma lenha?”, atira o chef e ri, dando o exemplo. Em tudo esta é a postura que Renato adopta: a de fazer, a de explicar todos os detalhes, a de convidar a fazer parte e a de repetir com pormenor como se faz porque “é uma honra que me imitem, mas façam-no bem”.
Enquanto as colheres de pau se relacionam cada uma com o seu respetivo pote em voltas sonoras tal qual um ritual de sedução, testa-se a mestria de apanhar figos. Com uma cana comprida e um caneco esmaltado preso na sua extremidade é tarefa de paciência retirar a esta árvore centenária cada um dos seus filhos de vivo roxo e polpa suave. Ao fim de algum tempo podemos ficar no privilégio de os misturar com broa de milho e deliciarmo-nos num fim de tarde que o sol permite.
O tomate Coração de Boi, a fazer jus ao que é, rende-se a ser despedaçado e segue em metades para se misturar com a flor de sal e o vinagre e em cubos para se somar à caldeirada de cabrito que num pote descansado espera que a noite se adense.
Os que vão chegando cumprimentam o chefe sem os gestos próximos que a atualidade obriga, mas com o afeto de quem chega a uma casa familiar num fim de tarde afeiçoado e nostálgico. Perguntam o que será o jantar, bebericam as escolhas líquidas que Renato aconselha e dispõem-se num hemiciclo que deixa os potes serem palco.
Pelas mãos do chef, as tigelas e os pratos, até então de um branco imaculado, são invadidos por uma onda sinestésica e faltam-nos sentidos para guardar com permanência o quanto esta comida nos alimenta.
Com a noite já assumida e numa fogueira morosa o último pote promete uma aletria dourada onde o perfume do limão é quem mais ordena. Sai cremosa e, de colher em colher, passeia-se por todos, repete-se, faz-se desejar.
O pote, se assim pudermos chamar a este projeto, mata uma fome de tempo, deixa-nos de olhos cerrados num regresso ao conforto, ao genuíno e ao autêntico.