Várias escolas públicas organizam todos os anos visitas de estudo ao estrangeiro deixando para trás alunos sem capacidade para pagar as viagens, que podem ir de 500 a 800 euros, segundo relatos de pais e estudantes.
Há viagens para os alunos do secundário, mas também para os finalistas do 3.º ciclo. Uns vão para Paris, enquanto outros têm como destino Madrid ou Londres. Os preços rondam os 500 euros, mas podem chegar aos 800 euros, segundo histórias ocorridas em estabelecimentos de ensino de Coimbra, Lisboa, Azeitão ou Castanheira do Ribatejo.
Pais de diferentes pontos do país são unânimes nas criticas às escolas por deixarem de fora quem não tem dinheiro para pagar a viagem, como aconteceu com Teresa Costa (nome fictício).
Aluna de uma escola lisboeta frequentada maioritariamente por alunos de classe social elevada, Teresa era das poucas com Apoio Social Escolar (ASE) e nunca pensou que a difícil situação financeira dos pais a pudesse excluir de uma atividade escolar.
“Quando a professora de Francês anunciou, na aula, a viagem a Paris deu a ideia de que iríamos todos. Fiquei super entusiasmada, mas depois percebi que não era assim”, recordou em declarações à Lusa a rapariga que então estava no 9.º ano.
A viagem custava cerca de 500 euros e, do lado da escola, “ninguém se mostrou preocupado” nem tentou perceber se Teresa “gostaria de ir e se seria possível arranjar uma forma de lhe pagar a viagem”.
“Fiquei muito triste, até porque quando temos 14 anos não conseguimos perceber que 500 euros possa ser muito dinheiro”, recordou a jovem, que implorou à família que lhe pagasse a viagem.
Naquela semana de aulas, Teresa ia todos os dias para a secundária, enquanto os colegas visitavam museus e conheciam bairros parisienses.
Para o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), “ninguém pode ficar de fora” de uma viagem organizada pela escola, que é diferente das viagens de finalistas do 12.º ano.
“Mesmo que pareçam passeios são aulas fora da escola e não é admissível que alunos fiquem em terra por incapacidade económica. Estas situações, que espero serem casos isolados, têm de ser corrigidas. A escola tem a obrigação de incluir e isto é excluir”, criticou Filinto Lima.
Foi desta mesma forma que pensou António Silva quando as professoras da Escola Secundária Infanta Dona Maria, onde estuda a filha, admitiram que não se iriam preocupar com quem não pudesse pagar a viagem.
Num documento escrito entregue às famílias declararam: “Relativamente à situação de alunos/famílias sem condições para custear a visita de estudo, não nos compete a nós, professoras organizadoras, resolvermos esta questão”.
“Esta visita de estudo não é uma atividade obrigatória, pelo que só se devem inscrever os alunos interessados e/ou que podem participar na visita de estudo”, referia ainda a informação a que a Lusa teve acesso.
Na turma de 11.º ano da filha de António Silva havia um aluno que ia ficar de fora, mas um grupo de pais, entre os quais António, decidiu pagar-lhe a viagem.
“Uma visita de estudo não tem caráter obrigatório, mas é recomendável e choca-me que a professora diga que só vai quem pode. Para mim, este não é o papel da escola, nem sequer devem estar a criar expectativas sem saber se as famílias podem ou não ir”, desabafou.
António Silva também condenou o método usado pela professora de Francês da escola de Coimbra que anunciou a viagem durante uma aula no 1.º período.
“A professora falou com os alunos antes de falar com os pais sobre uma viagem de sete dias que rondaria os 600 euros, sendo que afinal poderá ultrapassar os 800 euros, porque tudo isto está dependente de quantos alunos irão”, contou.
Também Marta Clemente criticou a metodologia usada na escola das filhas, em Castanheira do Ribatejo, que foi semelhante à relatada por António Silva.
Marta estava a trabalhar quando a filha de 13 anos lhe ligou “histérica com a possibilidade de ir passear com as amigas” a Paris numa viagem de cinco dias promovida pela escola, contou à Lusa.
O plano também foi anunciado durante as aulas e “supostamente, quantos mais alunos forem, menos se paga”, mas afinal vão “pagar o valor máximo”: São 595 euros por uma viagem de autocarro em que “ficam poucos dias em França” e é sempre a “correr de um lado para o outro e com poucas refeições incluídas”.
A mãe de Rita considera a viagem cara, mas admite que a choca mais haver colegas da filha “que não vão por questões financeiras”: “Não houve qualquer iniciativa para se angariar dinheiro para ajudar esses alunos, nem da parte da escola nem da associação de pais”, criticou.
A visita incluiu uma subida à Torre Eiffel, um passeio pelo Louvre e pelo Palácio de Versailles, mas também andar de barco no Sena, conhecer bairros típicos como Montmartre e até passar um dia completo na Disneyland.
Em Azeitão a história repete-se, só muda o destino: Os alunos do 3.º ciclo já estão a ultimar a viagem de cinco dias a Madrid e Toledo, que custará 500 euros.
“Das nove turmas do 9. ano vão pouco mais de 40 miúdos”, contou a mãe Vera Magarreiro, acrescentando que também ali “nunca houve nada especificamente para quem não pudesse pagar a viagem”.
Questionada pela Lusa, a presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) defendeu que “sendo visitas de estudo deveriam ser criadas condições para que todos possam participar”, apelando a “todos façam chegar esses casos às associações de pais para que os alunos possam ser apoiados.”
Mariana Carvalho lamentou que, tal como noutras áreas, também na educação “os mais carenciados continuem a ser os mais prejudicados”.
Filinto Lima acrescentou que além dos alunos com ASE, existem muitos outros para quem os preços destas viagens são impeditivos, cabendo às escolas a responsabilidade de garantir que “ninguém é deixado para trás”.