Braga: Casal serviu jantar de André Ventura durante pico da pandemia “por confiar nos senhores do Chega”

Foto: Joaquim Gomes / O MINHO e DR

Um casal que está a ser julgado pela acusação de crime de desobediência, por ter servido um jantar a André Ventura e a muitas dezenas de apoiantes, em Braga, durante o pico mais alto da Covid-19, disse que só o fez “por confiar nos senhores do Chega”.

Secundino Azevedo e Teresa Azevedo, ambos de 71 anos e naturais de Vila Verde, estabelecidos em Braga, referiam-se ao jantar-comício do então candidato presidencial, André Ventura, dia 17 de janeiro de 2021, em Braga.

O casal Azevedo, ouvido separadamente, na ausência um do outro, teve a mesma versão, segundo a qual não queriam servir o jantar, “mas o senhor Filipe Melo”, atual deputado, “assumiu toda a responsabilidade e deu-nos uma declaração nesse sentido”.

“Ele apareceu-nos a dizer ser sobrinho do falecido cónego Melo e nós acreditamos logo nele”, afirmou Secundino Azevedo, o proprietário do Solar do Paço, em Braga, referindo-se a Filipe Melo, o atual deputado pelo Chega à Assembleia da República.

“O senhor Filipe Melo ainda não era nessa altura muito conhecido e estava acompanhado por aquela senhora que era candidata do Chega a presidente da Câmara de Braga”, referindo-se à ‘personal trainer’ Eugénia Santos, mais conhecida por Jenny Santos.

“Primeiro queriam meter cerca de 300 pessoas dentro do restaurante, mas depois foi diminuindo o número de participantes, à medida que íamos chamando a atenção para o distanciamento, acabando por servir 120 refeições”, referiu Secundino Azevedo.

E acrescentou: “Aquilo estava a ficar muito perigoso, porque os restaurantes não podiam abrir, foi tudo em cima da hora, mas só aceitamos a presença de 120 pessoas, menos de metade da lotação da sala, que é de 270, ficamos abaixo dos 50% permitidos”.

“Nós ainda pensamos em desistir de servir o jantar, se fosse por nós não se tinha realizado o jantar, mas o senhor Filipe Melo disse-nos que não tinham mais nenhum local para ir e que se responsabilizavam por tudo”, ainda segundo Secundino Azevedo.

O empresário da restauração disse que terá havido concentração, “mas sim dos jornalistas, a quem tinham reservado uma sala, no pisto inferior, mas de repente concentraram-se todos, aí uns 15 a 20, num espaço muito pequeno que é o da zona da receção”.

Questionados pela juíza, ambos os arguidos confirmaram não ter a autorização, nem da Delegação de Saúde, nem da Proteção Civil, que até quiseram desistir de servir o jantar. “Só que eles disseram já não terem outro local e confiamos totalmente neles”, contou.

Secundino Azevedo afirmou à juíza e ao magistrado do Ministério Público que “o senhor Filipe Melo, com outras pessoas que o acompanhavam”, entregou-lhe uma “declaração onde os organizadores se responsabilizavam por tudo”

“Nós acreditamos neles”, disse, em tribunal.

“Estejam à vontade connosco, que nós tratamos de tudo, é um evento político, autorizado pela Assembleia da República, foi o que nos disseram, nós confiamos sempre neles, caso contrário nunca teríamos servido o jantar”, afirmou Secundino Azevedo.

Uma afirmação de Secundino Azevedo que não convenceu o Tribunal Criminal de Braga é que tudo foi tratado na sexta-feira, antevéspera do jantar-comício, com os responsáveis do Chega, isto é, ter havido primeiro contacto só a 15 de janeiro de 2021.

“Eu telefonei para a Associação Comercial de Braga e disseram-me que sim, que podia organizar o jantar, por ser um evento de política”, afirmou Secundino Azevedo, mas garantiu que não se recorda com quem falou e “se era homem ou mulher” quem atendeu.

Foto: Joaquim Gomes / O MINHO

Secundino Azevedo disse ter sido ele quem diretamente negociou tudo com os responsáveis distritais de Braga da candidatura presidencial de André Ventura, enquanto a esposa tratava mais da cozinha, tal como a própria já tinha afirmado anteriormente.

Teresa Azevedo reconheceu que “se vivia um caos”, em termos de Saúde Pública, mas “os organizadores” deram-lhes “garantias”, de que, “por ser um evento político, que se poderia realizar”. “Entregaram-nos até uma declaração, na qual se responsabilizavam por tudo”.

“Eu vou ser sincera: nós de início não queríamos servir o jantar, porque havia muitos casos de Covid, mas eles diziam que não tinham mais para onde ir, ser legal o evento, que se responsabilizavam por tudo, nós acreditamos neles”, disse Teresa Azevedo.

A Delegação de Saúde de Braga e o Serviço Municipal de Proteção Civil de Braga não tinham autorizado o jantar-comício e o Destacamento Territorial da GNR de Braga foi avisado, por escrito e formalmente, disso mesmo, ainda na véspera deste evento.

GNR tinha instruções para não intervir

Uma agente da GNR de Braga, que habitualmente faz vigilâncias, confirmou que estava nas imediações do Solar do Paço, mas tinha instruções superiores para não atuar, só tendo fotografado tudo e contando as cadeiras quando todos tinham ido já embora.

A militar respondia a uma questão do advogado de defesa do casal Azevedo, que pretendia saber porque razão só entraram no restaurante cerca das duas horas da madrugada de domingo para segunda-feira quando afinal a GNR já lá estava desde o início.

Segundo a mesma operacional, que, por razões de reserva de imagem depôs por videoconferência, a missão da GNR naquelas circunstâncias era acautelar as possibilidades de manifestações face à presença dos dirigentes do Chega, como já era frequente.

“Quando fomos fotografar o interior do restaurante e contar as mesas do salão já só lá estava o casal do estabelecimento”, de acordo a militar da GNR de Braga, que, sobre a razão de ser de tal procedimento, disse várias vezes “não saber de mais nada”.

 
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