O cidadão belga detido em Terras de Bouro, no Gerês, por alegadamente “escravizar” uma família brasileira, solicitou já ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a concessão de um habeas corpus, alegando que os casos de que é suspeito se passaram na Bélgica, não em Portugal, pelo que, segundo diz a sua advogada, os tribunais portugueses não têm competência para julgá-lo.
Alain Corneille, de 55 anos, empresário, que residia na Rua do Cavacadouro, da freguesia de Moimenta, no concelho e vila de Terras de Bouro, está há cerca de duas semanas preso preventivamente por determinação, de uma juíza de instrução criminal de Guimarães, Isabel Pinto Ribeiro, a solicitação de uma magistrada do DIAP do Ministério Público, Ana Carina Nascimento.
Recluído no Estabelecimento Prisional Regional de Braga, Alain Corneille considera-se alvo de “um erro grosseiro” daquela magistrada judicial, alegando que “os tribunais portugueses não são competentes para tratar os crimes sob suspeita na Bélgica”, diz no pedido de habeas corpus, endereçado ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, juiz-conselheiro João Cura Mariano.
“Neste sentido, o arguido está preso ilegalmente porque a decisão judicial que ordenou a sua prisão preventiva padece de erro grosseiro ao entender ser competência portuguesa aquilo que não ocorreu em Portugal e, ademais, o cidadão belga detido pode muito bem ser extraditado para a Bélgica, o seu país, só lá as autoridades tratarão da competente investigação”, refere também.
“Deve assim o presente habeas corpus ser deferido, ordenar-se a libertação do arguido, extinguindo-se todas as medidas de coação, sem prejuízo de se assim for entendido remeter-se às autoridades belgas todos os elementos que se entendam como pertinentes e o mesmo ser investigado e julgado naquele país”, segundo argumenta no pedido, a sua advogada, Leonor Macedo.
Alain Corneille foi detido pela Diretoria do Norte da Polícia Judiciária, em Terras de Bouro, em pleno Gerês, a 09 de abril de 2025, por suspeitas do cometimento de seis alegados crimes de tráfico de pessoas e seis supostos crimes de auxílio à imigração ilegal, mas o empresário belga afirma não cometido nenhum crime em Portugal e que os outros factos foram todos na Bélgica.
A magistrada do Ministério Público, Ana Carina Nascimento, solicitou a prisão preventiva para o cidadão belga, um pedido que foi de imediato concedido pela juíza de direito Isabel Pinto Ribeiro, do Juiz 1 do Juízo de Instrução Criminal de Guimarães, através de um despacho judicial que foi já durante esta quarta-feira contestado, junto do mais alto tribunal judicial português.
No seu pedido de habeas corpus, endereçado esta quarta-feira, ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, juiz-conselheiro João Cura Mariano, a defensora de Alain Corneille, “este é um caso raro em que se verificam todas as razões para a libertação”, contestando assim e integralmente a fundamentação do despacho de prisão preventiva subscrito por aquela juíza vimaranense.
É que o habeas corpus, acrescenta a advogada Leonor Macedo, invoca-se “quando a detenção tenha sido efetuada por entidade incompetente, motivada por facto pelo qual a lei não permite e essa decisão de prisão tenha sido proferida por decisão judicial”, referindo que a juíza de instrução criminal de Guimarães, Isabel Pinto Ribeiro, não interpretou nem aplicou devidamente a lei.
“Os factos trazidos ao processo pela Diretoria do Norte da Polícia Judiciária, a partir do Porto revelam que os imigrantes, todos familiares da [suspeita] ainda não detida [Márcia Castro Mendes] e a companheira do arguido, viajaram do Brasil para diversos países da Europa, nunca aterrando em Portugal”, segundo afirma a advogada, Leonor Macedo, no seu pedido de habeas corpus.
“Todas as putativas vítimas saíram do Brasil em direção a outros países que nunca para Portugal e a terem ocorrido quaisquer tipos de crimes de auxílio à imigração ilegal e/ou tráfico de pessoas, não ocorreram em território português”, refere a causídica bracarense, afirmando, na sua perspetiva, não haver competência territorial dos tribunais portugueses para casos no estrangeiro.
“Ao não terem ocorrido em território português, a lei portuguesa não se estende ao território espanhol, nem francês, nem belga, muito menos a cidadão belga e aos tribunais portugueses cabe julgar os crimes cometidos em solo português”, diz a advogada.
“Tribunal de Guimarães é incompetente”
“Isto é, se as pessoas tivessem aterrado em Portugal e os alegados crimes tivessem sido preparados em Portugal, aí (e só aí) poderíamos falar da competência jurisdicional portuguesa, o que não é o caso”, salienta a advogada Leonor Macedo, de Braga.
“Não existindo, como não existe, delegação de poderes jurisdicionais de outros países aos tribunais portugueses, a investigação da Polícia Judiciária, a condução do inquérito pelo DIAP do Ministério Público de Guimarães e a própria função da juíza de instrução criminal portuguesa [Isabel Pinto Ribeiro] são ilegais, por incompetência, em razão do território”, refere a causídica.
“As pessoas em causa, que viajavam para a Europa, são todos maiores, nenhum deles sofre de demência, tendo consciência de que vinham para a Europa, por Madrid, França e Bélgica em busca do sonho europeu”, ainda segundo a advogada bracarense.
“A prova documental de viagens do Brasil para outros países, a carta convite usada por cada um nunca foi usada em Portugal”, pelo que “ocorre aqui um erro grosseiro porque os tribunais portugueses não são competentes para a investigação e detenção do arguido, antes sim serão outros tribunais estrangeiros”, segundo se fundamenta neste pedido de habeas corpus para o STJ.
“Nenhuma das pretensas vítimas dos crimes de auxílio à imigração ilegal e/ou de tráfico de pessoas por via da exploração financeira, o de não lhes ser pago um salário inteiro e ‘condigno’, viajou diretamente para Portugal, logo o crime terá sido cometido, a existir, no país em que aqueles aterraram e, por fim, para onde se deslocaram primeiramente”, afirma a advogada.
E conclui: “Se muitos meses depois as vítimas usaram o espaço europeu para viajarem e chegarem até Portugal, em situação ilegal, a consumação de crimes ocorreu inequivocamente no estrangeiro”.