ARTIGO DE PEDRO MEIRA
Presidente do CDS-PP de Viana do Castelo. Advogado.
Entre as formigas operárias, havia uma que dizia permanentemente às suas companheiras de trabalho de forma altiva, com uma superioridade moral inatacável: “Temos que lutar por mais justiça e respeito. Não é justo que uns explorem os outros, nem que nos tratem como se fôssemos inferiores.”
Esta formiga fazia discursos inflamados contra a exploração imposta às formigas operárias e diariamente dizia que as formigas se deveriam unir e reivindicar os seus direitos. Com o tempo, essa formiga foi-se tornando uma espécie de líder, ouvida e seguida pelas companheiras operárias.
Um dia, após o fim do turno, combinou com as outras: “Vamos fazer uma reunião na minha casa para planearmos a nossa estratégia para reivindicar os nossos direitos”.
Chegando a casa, a formiga diz à sua mulher: “O jantar está pronto?
–“Não, estive a limpar a casa!”, retorquiu a mulher.
– “Sua incompetente! Não fazes nada direito? Atacou de imediato a formiga “operária”.
– “Mas querido, é muito trabalho. Não posso fazer tudo sozinha!“ Eu é que sustento este lar percebeste? Tu deves cuidar da casa e obedecer às minhas ordens! Eu é que mando aqui!”.
Continuou a formiga operária. E, entre as minhas ordens, “quero que o meu jantar esteja pronto quando eu chego porque eu tenho muito trabalho e tu não fazes nada.”
– “Não sejas injusto! Eu cuido da casa e dos nossos filhos e preparo-te o jantar todos os dias”.
– “Cala-te, és uma incompetente!!”.
Um barulho fez a operária voltar-se para trás e ver os seus colegas de trabalho. Eles tinham ido à reunião agendada para a sua casa , de boca aberta, profundamente espantados disseram: – “Mas o que é isto, amigo? Passas a vida a dizer que as exigências que nos fazem são injustas e que devemos lutar por justiça porque estamos sobrecarregados de trabalho? Tu queres justiça mas não a praticas na tua própria casa?”.
Vem esta célebre fábula a propósito da(s) recente(s) reportagens de um órgão de informação relativamente a ajustes directos pornográficos e escandalosos efectuados por autarquias presididas por comunistas (Loures e Seixal).
Caiu a máscara aos puritanos da já quarentona democracia portuguesa.
Quarenta anos a arvorarem-se de serem impolutos, quarenta anos a atirar pedras para o telhado dos vizinhos, quarenta anos de uma presumida e inaturável superioridade moral, quando afinal, chegados ao poder local, os pecadilhos são os mesmos das outras forças partidárias.
O que choca, no caso em concreto não é, por exemplo, a aquisição de duas viaturas de luxo para o serviço da autarquia, o que choca é o atrevimento da justificação por parte do autarca comunista, “os carros não são de luxo, são carros de trabalho”.
O que choca, no caso em concreto não é, por exemplo, a aquisição de serviços de uma militante comunista para assessora de um vereador e o facto de o contrato que titula o ajuste directo nem especificar que tipo de serviço a mesma irá prestar, o que choca é a justificação anedótica do autarca comunista.
Pergunto, quantas voltas terão dado no caixão Karl Marx e Álvaro Cunhal com estas notícias?
Sempre me causou uma profunda repugnância a generalização da maldade e da falta de seriedade apregoada pelo PCP relativamente às outras forças políticas e a sua auto-proclamada guetização e isolamento na ilha da seriedade. Nós é que somos sérios, nós é que somos incorruptíveis, nós é que somos o pêndulo da moral e dos bons costumes na democracia, diziam…
Sejamos sérios, a contratação pública feita à medida existe nas autarquias, como é consabido, de norte a Sul do País, da esquerda à direita, só os comunistas é que achavam que ser militante do PCP seria um salvo conduto para o reino dos impolutos.
Não está em causa a legalidade dos actos note-se, porque aliás a violação ao princípio da livre concorrência teve sempre cobertura legal, o que está em causa é a questão política ,o ponto de vista moral e da contradição das atitudes com o discurso puritano.
Do ponto de vista jurídico a colisão com a livre concorrência é aliás facto assumido por vária jurisprudência comunitária, facto que levou a profundas alterações legislativas a nível Europeu, tanto assim é que a 1 de janeiro de 2018 entrou em vigor a revisão nacional do CCP (Código da Contratação pública) aprovada pelo Decreto-lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, tendo esta revisão uma tónica acentuada em matéria de correção e retificação em vários domínios em que a livre concorrência estaria visivelmente afetada.
A revisão do CCP foi motivada pela necessidade de adequar o Código Português à disciplina europeia da contratação pública, decorrente quer das Diretivas 2014/23/EU, 2014/24/EU e 2014/25/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro e da Diretiva 2014/55/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril, quer conforme se referiu da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Esta transposição das diretivas e alterações ao CCP vêm precisamente colmatar a falha do legislador a nível da livre concorrência do mercado.
As alterações concretas realizadas em matéria de ajustes diretos são a face visível dessa reforma que procurou otimizar a livre concorrência na contratação na Administração Pública.
Sejamos claros, o que está aqui em questão não é a questão legal, mas o contributo que o PCP vem agora também dar para o total descrédito dos partidos políticos e para a perigosidade que isso acarreta para a democracia portuguesa.
O cidadão comum não quer sequer ouvir falar em política ou em políticos, os partidos tradicionais vivem momentos de profundo descrédito, os novos partidos tentam com um discurso populista dizer o que o povo quer, mas este tipo de discurso tem um prazo de validade curto, veja-se o caso anedótico e surreal de Marinho Pinto.
Há uma necessidade premente de uma revolução no interior dos partidos, há gente boa e bem preparada em todos os quadrantes partidários, há gente boa e cansada de tanta corrupção e tráfico de influências em todos os partidos, há gente boa e bem preparada em Portugal.
Sente-se e lê-se diariamente que os jovens portugueses interessam-se, discutem e fazem política no seu dia a dia, basta ler na diagonal um feed no Facebook, a grande dificuldade passa e passará por atrair essas pessoas para a participação activa no seio dos partidos.
Poucos são os que se sujeitam e estão nos partidos em regime de voluntariado, por serviço e não para se servirem, poucos são os que estando no interior dos partidos aguentam a pressão de lidar com os esquemas dos aparelhos partidários recheados de medíocres rendidos e vendidos a interesses.
Eu sou um dos maluqinhos que ainda acredita nisso… Eu sou um dos que acredita que o próprio PCP tem gente altamente preparada e moralmente qualificada para o exercício de cargos políticos.
Cresci ao lado de muitos deles, sei bem da sua seriedade, da sua generosidade e da sua honestidade , mas não me venham por favor com o discurso da formiga operária,”nós é que somos (mais) sérios e correctos”, conforme se vê as maças podres existem em todos os cestos.
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Cada uma das concelhias, distritais, deputados e vereadores têm a possibilidade de enviar um artigo de opinião, todos os meses, para publicação, conforme e-mail enviado em Julho de 2015. [+]