Há 5 anos, Nadege Ndengue partiu dos Camarões para a Nigéria, depois para o Níger. Do Níger, para o estado falhado da Líbia. Foi presa grávida, enquanto o ex-companheiro trabalhava para pagar o seu resgate. Lançaram-se num barco de borracha para o mediterrâneo. Foram intercetados pelo navio SeaWatch, que os desembarcou em Messina, Itália, campo de refugiados: contentores de chapa sobre o pó. Há dois anos, através da Plataforma de Apoio ao Refugiado, Nadege chegou a Braga com o seu filho. Contudo, outros três filhos ficaram para trás, nos Camarões. 2 anos de burocracia, para a família estar de novo junta. Partiu do seu país aos 21 anos, hoje, tem 26.
Refugiada é um substantivo curto, para uma vida tão intensa. “Não me sinto refugiada, sou uma cidadã portuguesa”, afirma Nadege Ndengue a O MINHO. Há cinco anos fugiu dos Camarões, para não voltar a casar. Já havia sido vendida e revendida, a dois ex-maridos. Fugiu do país, acompanhada por um homem e um filho no ventre. Deixou outros três filhos para trás, com a avó e a tia.
Partiu dos Camarões, para a Nigéria, de carro, transportada por uma amiga. Da Nigéria para o Níger, “passadores”, do Níger para a Líbia, traficantes. “Na Líbia a minha cor vale dinheiro”, esforça-se para explicar em português, enquanto bate com o dedo no braço.
Nadege esteve meio ano presa na Líbia, enquanto o companheiro trabalhava para pagar o seu sequestro. Durante a prisão, uma gravidez, sem apoio médico, trouxe ao mundo um bebé, que gatinha, hoje, pela sala de estar da sua nova casa, em Braga.
Conta que a cicatriz cravada no peito foi forjada com beatas de cigarro e que durante o tempo na prisão “foi a esperança de voltar a reencontrar os meus filhos, que me fez aguentar”.
Após 6 meses no cárcere, o homem que acompanhava Nadege, pai do bebé nascido na prisão, pagou a quantia requerida, pela liberdade da cozinheira da cantina social Virar a Página — hoje Nadege é cozinheira em Braga e o que resta da Libía é uma cicatriz, em jeito de memória.
Os três lançaram-se no Mediterrâneo, entre mutos outros, num barco de borracha com motor a gasolina. Não é um rumor. De acordo com as Nações Unidas, “mais de 20 mil migrantes morreram em travessias no Mediterrâneo desde 2014”.
Não foi o caso de Nadege, nem de seu bebé, nem de seu companheiro, porque a tripulação do navio da ONG Sea Watch salvou-os no fadado mar. Colocou-os abordo, alimentou-os e aportou-os na Europa, em Messina, Itália. Campo de refugiados: contentores de chapa sobre o pó.
A Plataforma de Apoio ao Refugiado solicitou a vinda de uma família para Portugal. Vieram os três, para serem acolhidos em Braga: Nadege, o seu companheiro e o seu bebé.
Como sempre o tempo passou. Quem hoje conta esta história ao jornal, não é a mesma Nadege, que a Braga chegou há dois anos. É uma mãe solteira, com dois filhos matriculados, para setembro, na escola pública e mais duas crianças para educar. É a cozinheira da cantina social, Virar a Página, a única colaboradora com salário na organização. Mas demorou dois anos, até que a fotografia familiar estivesse completa.
Foi dois anos, que Nadege sofreu por quem havia deixado para trás. Nos Camarões, com a avó e com a tia, viviam os seus três filhos. “A minha única tormenta em Braga era não ter os meus filhos por perto” desabafa Nadege Ndengue, num francês traduzido.
Helena Vaz, fundadora do Virar a Página, foi quem acolheu a luso-camaronesa. “Aquilo que ela sempre nos pediu foi que trouxéssemos os filhos dela para Portugal”, afirma ao jornal. Após dois anos de um processo sempre burocrático a família voltou a reagrupar-se, há uns dias, primeiro no aeroporto, depois em Braga.
Após dois anos: o esperado dia D. Reunida toda a documentação e atestados necessários, para a vinda dos menores para Portugal, faltavam 160 euros. À última da hora: “Foi preciso transferir 160 euros para os Camarões, para as crianças tomarem a vacina da febre-amarela, mesmo a doença não existindo em Portugal. Pagamos o valor, mas eles embarcaram sem vacina”, afirma Helena a O MINHO.
O importante é que estão em Braga, para já no T1 de Nadege. Ela e os quatro filhos. Mas vão para uma casa nova, com mais quartos, que, aos poucos, estão a mobilar. Avista-se um luso recomeço, para a família, ao fim de uma travessia, com 5 anos.
Sea Watch
A Sea-Watch é uma organização não-governamental alemã, que opera no mar Mediterrâneo, protagonizando resgates marítimos e salvamentos de migrantes. Carola Rackete, capitã de um dos quatro navios da frota Sea Watch, está acusada pela justiça Italiana de auxílio à imigração ilegal, por aportar em Lampedusa, sem consentimento da marinha italiana, 53 migrantes, resgatados de um barco insuflável nas águas líbias do mediterrâneo.
Euros na Líbia
De acordo com a página do Conselho Europeu, em julho de 2019, a União Europeia aprovou cinco novos programas relacionados com a migração no Norte de África, num montante total de 61,5 milhões de euros. Os projetos incluem a proteção e assistência de refugiados e de migrantes vulneráveis, permitindo uma melhoria nas condições de vida, na promoção da migração e na mobilidade de mão-de-obra.
18 milhões de euros foram diretos para a Líbia. “Para fortalecer os serviços do governo local na Líbia, em particular nos municípios mais afetados pelos fluxos migratórios e / ou prejudicados pelo conflito, bem como melhorar as condições de vida das populações vulneráveis através da melhoria dos acessos a serviços básicos, segurança da comunidade e oportunidades económicas. O programa foi implementado através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)”, lê-se no comunicado de imprensa da Comissão Europeia, “EU Emergency Trust Fund for Africa – North of Africa window”.