Paulo Mendes não dorme, quando chove fora de tempo. Quando ouve a chuva a bater no telhado, tem pesadelos em que os cachos de uvas estão a “desavinhar”, no dia seguinte percorre a vinha para confirmar se tudo não passou de um sonho. Este ano, aconteceu-lhe várias vezes. Agora que a vindima está a chegar aos últimos dias, em Sezim, confessa que se calhar até vai ser um ano muito bom.
“Vamos ter uma quebra de 5%. Não é mau, considerando que há produtores da região que têm menos 30 ou 40%, o que é uma tragédia”, explica a O MINHO. Com 90% da vindima feita, os últimos cachos vão ser apanhados na quarta-feira, dia 22, o responsável pela vinha na quinta centenária, está mais tranquilo. “Este ano houve chuva na altura da floração, chuva e vento. Quando isso acontece os cachos podem desavinhar, outros abortam mesmo”, explica afastando as folhas para mostrar um exemplo.
O desavinho refere-se ao facto de a flor não ser fecundada. Acontece em anos em que o período da floração é muito sombrio, frio e eventualmente chuvoso. Também pode acontecer em anos muito quentes, mas não foi esse o caso este ano.
O certo é que não foi tão mau como à partida parecia e Paulo Mendes até está animado. “Em termos de qualidade, pode até ser um dos melhores anos dos últimos oito ou dez”, afirma. Paulo deixa claro que qualidade e quantidade são palavras que casam mal quando se fala de vinho. “Começa tudo na poda”, desvenda, “posso deixar 50 mil olhos por hectare, ou posso deixar 80 mil”. A produção duma videira depende essencialmente do número de olhos deixados à poda nesse ano, a que se chama carga, diz um dos princípios da poda. Mas este não é o único princípio que o podador tem que observar. “Em todos os sistemas de poda deve procurar-se que as folhas e os cachos, venham a gozar das melhores condições de calor, luz e arejamento”, é outra das regras, ou ainda, “o vigor das varas de uma videira é inversamente proporcional ao seu número”.
Na Casa de Sezim o foco é na qualidade, até porque, com 32 hectares de vinhas próprias e vinificando apenas com as suas próprias uvas, não estão talhados para o campeonato da quantidade.
Na equipa que anda a vindimar a média de idades é alta. “É difícil arranjar malta nova para fazer isto”, reconhece Paulo. Há um grupo que destoa, muitas raparigas, um rapaz, têm 17, 18 anos, no máximo. São do 12º ano do curso de Processamento e Controlo de Qualidade Alimentar, da Escola Francisco de Holanda. A professora aproxima-se, de tesoura na mão, parece mais preparada para trabalhar que os alunos.
A Casa de Sezim recebe estagiários de várias instituições de ensino, durante as diversas fases de tratamento da vinha. Nem todos estão interessados no trabalho, “alguns andam a cumprir calendário.” Paulo recorda-se dos mais empenhados, “tivemos um do Politécnico de Bragança que era muito jeitoso, voltou na altura da poda.”
Em tempo de vindima são dezenas de pessoas na vinha, mas ao longo do ano três homens dão conta do recado. “Já fomos oito e nessa altura tínhamos 12 hectares, agora temos 32 e somos só três”, lembra Paulo. “É a mecanização, mas também a forma como as vinhas são conduzidas”, reconhece. Aquilo a que se chama “condução da vinha” é um conjunto de decisões culturais que incluem o afastamento entre videiras, número de plantas por hectare, orientação das linhas, número de sebes, orientação das sebes, altura e largura das sebes, altura do tronco ou dos cordões, o tipo de poda (curta, longa, mista), a carga à poda (número de olhos por hectare), entre outras coisas.
O clima e o terreno também desempenham um papel fundamental no resultado final. O terroir, palavra francesa, sem tradução em outras línguas, exprime esta relação entre o solo e o micro-clima do lugar onde são cultivadas as videiras. Em Sezim, são encostas ensolaradas, suficientemente viradas a Sul para terem uma ótima exposição solar, rodeadas de floresta, a 50 km dos ares do atlântico, a olhar de esguelha para a montanha da Penha e para as serras da Cabreira e do Gerês, ao longe. Paulo sabe tudo sobre este microclima e demonstra-o. “Aqui é um pouco mais ventoso e fresco”, atravessamos o caminho para outra parcela, dez metros ao lado, “aqui já não há tanta brisa é mais aconchegado”. A diferença é perfeitamente percetível apesar de quase podermos ter um pé em cada parcela. Sem a ajuda do especialista os sentidos destreinados nunca notariam a diferença, mas as uvas e o vinho refletem nos seus humores todas estas subtilezas.
Na adega, Tiago Oliveira é mais cauteloso. “Nós aqui não fazemos vinho, só o afinamos”, diz com graça. Relativamente ao ano, lamenta as chuvas do início de junho e diz que ainda está por avaliar o dano. Em 2007, o verão foi, como este ano, relativamente ameno, as uvas trabalharam ao longo de toda a estação e o resultado foi um belo ano de vinho. Paulo aposta, Tiago prefere aguardar.
“Nós aqui não fazemos vinho, só o afinamos”
Em Sezim, produzem-se 420 pipas por ano (210 mil litros) que, além do mercado nacional, abastecem a Alemanha, França, Canadá e Bélgica com a frescura da Região do Vinho Verde. Um dos orgulhos da Casa é Sezim é o Sauvignon Blanc 2015, medalha de prata no Concurso Internacional de Lyon 2016. Apesar de a Casa já ter vencido outros prémios, “ganhar com uma casta francesa na terra deles teve um sabor especial.”
Além da casta francesa com que fazem o vinho premiado, a Casa de Sezim tem Arinto, Loureiro, Fernão Pires, Alvarinho, Touriga Nacional e Trajadura. O que mais admira quem vê esta vindima e não percebe do assunto, é a quantidade de uvas que são deixadas para trás. As uvas são colhidas em pequenas caixas, depois são transportadas rapidamente para a adega, que fica no meio da própria vinha, de forma a passarem o menor tempo possível expostas ao sol e ao ar, depois de colhidas. Muita uva fica nas videiras. “Só são colhidas as mães, as filhas e as netas ficam, só queremos as melhores uvas para fazer os nossos vinhos”, diz Paulo Mendes, orgulhoso.
A Região do Vinho Verde chegou mais tarde a esta forma de vinificar com qualidade. Numa tradicional vindima minhota não fica uma uva para trás e o Arinto (Perdernã como é conhecida na região) é colhida para os mesmos cestos que a Trajadura ou o Loureiro. Só é apanhado à parte o Vinhão, com que se faz um vinho que dificilmente é apreciado fora da região.
Na adega, prossegue a desencuba e primeira trasfega, enquanto se espera pelas últimas uvas que hão de chegar na quarta-feira. No primeiro processo, separa-se o vinho das massas no segundo separa-se o néctar das borras que se depositam no fundo dos depósitos.
Hoje, a Casa de Sezim está a vindimar para fora. As uvas vão para a Adega Cooperativa de Guimarães. O vinho verde é muito sazonal, associado com a frescura e apontado às refeições mais leves, vende menos nos meses de inverno. A venda de algumas das uvas para fora garante liquidez nos meses em que se vende menos.
A Casa de Sezim está na mesma família desde 1376 e há referências ao seu vinho desde essa altura. Mas a casa senhorial, com uma parte dedicada ao turismo de habitação, é toda uma outra história que contaremos noutra altura.