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É um dos segredos mais bem guardados da arquitectura da região do Minho. A reabilitação de uma pequena capela, em Ponte de Lima, está a gerar burburinho nos meios arquitectónicos.
Desenhada pedra por pedra por Tiago do Vale, a capela, privada, poderá estar concluída até ao final do ano.
O arquitecto natural de Ponte de Lima, mas com atelier em Braga, revelou a O MINHO que “é um projeto que nos tem encantado porque desenhamos, obsessivamente, pedra a pedra e esperamos que possa ser usufruída em breve”.
É uma capela “privada de pequeníssima escala, muito próxima daquelas capelas românicas minhotas que todos conhecem, embora seja própria do seu tempo, mas inserida nessa tradição. Espero que esteja concluída ainda este ano”.
Sem querer adiantar mais detalhes ‘para não estragar a surpresa’, Tiago do Vale é considerado um especialista em reabilitação e tem um gosto especial pelas estruturas religiosas: “gostava de experimentar um projeto de maior dimensão”.
Mas diga-se já que a sua ambição é outra: “desde estudante que gostava de desenhar uma escola de arquitetura porque facilmente identificamos o que está bem e o que está mal e era o exercício perfeito para um recém-licenciado”.
Arquiteto de Ponte de Lima triplamente distinguido em competição de Nova Iorque
O Chalé das Três Esquinas, o Espigueiro-Pombal do Cruzeiro e a Casa de Gafarim foram os mais recentes projetos premiados a nível internacional, neste caso nos Muse Design Awards, provando que “a arquitetura portuguesa continua a estar bem cotada internacionalmente”.
Natural de Ponte de Lima

Apesar de ter nascido em Esposende e ter vivido o primeiro par de anos em Viana do Castelo, é na vila limiana que Tiago do Vale viveu toda a sua infância e juventude até embarcar para a Universidade.
Na infância, a primeira paixão foi a astronomia, “tinha interesse pela física e pela matemática”, e depois o design de transportes. “Eu sempre fui muito curioso. Há um bocado o mito que para a arquitetura é preciso ter interesse pelas artes e pelo desenho mas a verdade não é bem assim: é preciso ter interesse um bocadinho por tudo, ter uma curiosidade de largo espectro. E isso eu sempre tive”.
O gosto por desenhar e conceber coisas esteve sempre presente bem como o gosto de desmontar objetos. “Tinha uma paixão pelo design, pela ideia de fazer essa síntese entre a técnica e o uso ou o desenho. Interessava-me, especialmente, pelo design automóvel ou de transportes”.
O clique deu-se por volta dos 15/16 anos: “foi o lado mais pragmático a dizer-me que aquilo não era carreira em Portugal e se calhar, foi esse pragmatismo que começou a trilhar o caminho para a opção da arquitetura que era muito mais razoável”.
Coimbra
Assim como os pais e a irmã, Tiago também escolheu Coimbra para tirar o curso. Na cidade dos estudantes, o percurso académico foi “pouco convencional”.
Envolveu-se nos órgãos de gestão da universidade, foi senador, membro da Assembleia, delegado dos serviços de Acção social e vice-presidente da Associação Académica: “acabei por ter uma experiência em vários aspectos utilizáveis no mundo do trabalho e que me permitiu uma integração nesse mundo com menos ruturas e menos choques”.
Primeiro emprego: Arcos de Valdevez
Estava, no segundo ano da Faculdade, quando foi trabalhar para um gabinete de arquitectura, em Arcos de Valdevez. “A prática era estritamente profissional, estava sob a coordenação de um arquitecto, mas concebi projectos de muitos tipos desde o urbanismo até ao mobiliário urbano já com bastante autonomia”.
Portanto, “o meu contacto com o trabalho foi por um lado mais precoce e por outro mais suave e progressivo do que aquele choque normal de acabar o curso e ir para o mundo do trabalho”.
Antes de se fixar em Braga, ainda passou por Aveiro, pelo gabinete de um professor de Coimbra, mas a crise económica de 2008 fez Tiago do Vale repensar o caminho que estava a trilhar.
“O gabinete em Aveiro tinha poucas encomendas, eu tinha alguns contactos e estavam a alinhar-se algumas oportunidades aqui no Norte. Pareceu-me mais natural, e já que era o momento de aproveitar a crise, decidir vir, ficar mais perto das minhas raízes e Braga é uma escolha natural, tem um mercado de boa dimensão, é uma cidade economicamente agitada”.
Sem tema específico
Tiago do Vale é conhecido pelos trabalhos que vai fazendo na área da reabilitação mas “a verdade é que o gabinete trabalha todo tipo de programas, com todo o tipo de escalas. Não acreditamos muito na especialização”.
É que “na arquitetura não se é melhor arquitecto por se ser especialista só num tipo de arquitetura. Todas áreas e o seu conhecimento acabam por se alimentar umas às outras.
O arquiteto limiano não tem dúvidas em dizer que “hoje há mais encomendas” associadas ao aumento da construção. “Há ainda um grande hiato a preencher entre a arquitetura e a forma como ela é comunicada à sociedade, não é uma profissão que seja completamente compreendida”.
Os ‘culpados’ estão identificados: “há um certo mito, que tem a ver com uma tradição forçada no após 73, que havia técnicos não arquitetos a fazer arquitetura e isso ficou um pouco enraizado na cultura portuguesa. É um obstáculo que ainda não foi completamente ultrapassado”.
Futuro
Daqui a 20 anos, Tiago do Vale gostava de dizer que a “paisagem arquitetónica” está melhor mas “não tenho a certeza. Gostava que se compreendesse o papel que a arquitetura tem na qualidade de vida das pessoas, o impacto que tem na psicologia do ambiente. Era preciso cultivar esta ideia que a arquitetura é uma questão de saúde pública e que fosse mais fácil integrar este contributo na sociedade”.
Isso passaria pela “educação do cidadão comum”, nas escolas, “aprendendo a importância que a arquitetura tem na nossa qualidade de vida”. Um papel que seria extensível “aos arquitectos” que “como classe, precisam de mostrar o seu contributo para uma melhor sociedade”.