O Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) confirmou a condenação da EDP Distribuição a desviar uma linha de alta tensão em Braga, para que o ruído por ela causado deixe de ser audível pelos moradores que processaram a empresa.
Por acórdão a que a Lusa hoje teve acesso, o TCAN condena ainda a EDP a pagar 15 mil euros a cada um dos três autores da ação, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Contactada pela Lusa, a EDP Distribuição referiu que “ainda está a avaliar os impactos” da decisão do tribunal e a “analisar os próximos passos”.
A linha em causa foi licenciada pela delegação regional de Economia do Norte em 1997, apesar da contestação apresentada por um grupo de moradores.
O tribunal deu como provado que os moradores, quando adquiriram os lotes para construção das suas habitações, tiveram em consideração o interesse paisagístico do local e a tranquilidade e o sossego de que poderiam usufruir.
“Tratava-se de uma urbanização, destinada exclusivamente a construção de moradias unifamiliares, integradas num espaço natural aprazível, onde se evidenciava o bucolismo da paisagem, a tranquilidade e o sossego campestres, localizada a cerca de três quilómetros do centro urbano de Braga”, refere o acórdão.
Sublinha que a linha de alta tensão entretanto instalada passa por cima das casas dos moradores contestatários e que, desde então, ali se ouve o ruído produzido pela vibração e deslocação dos cabos de condução de energia elétrica, causada pelo vento ou mesmo pela mínima deslocação de ar
Acrescenta que, em dias em que o vento sopra com mais violência, sente-se e ouve-se um zumbido permanente, quer no exterior quer no interior das casas.
“Nos momentos em que mais precisam de repouso, concretamente, durante a noite, o barulho produzido pelas referidas vibrações dos cabos elétricos impede todos os autores e o seu restante agregado familiar de desfrutar do ambiente repousante, calmo e tranquilo que tinham na sua casa antes da construção daquela instalação”, refere ainda o tribunal.
Frisa que, quando o vento se faz sentir com maior velocidade, “o ruído é de tal modo incomodativo e persistente que alguns dos autores e seus familiares são forçados a pedir frequentemente a pessoas amigas que os deixem pernoitar em sua casa”, por não poderem suportar os ruídos que atingem na sua habitação.
Para o tribunal, a EDP, apesar da realização do interesse público, “não pode deixar de atuar com sujeição à Constituição e à lei, respeitando os direitos subjetivos e os interesses legítimos dos particulares, o que se caracteriza pela necessidade de conciliar as exigências do interesse público com as garantias dos particulares”.
“Os particulares não têm de estar condenados a ficar sujeitos ao dever de, em qualquer caso, em nome do interesse público, suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios em nome do bem comum, cabendo à sociedade, minimizar aqueles sacrifícios e, se for caso disso, indemnizá-los pelos prejuízos causados”, refere ainda o acórdão.
Sublinha que, sendo a habitação, por natureza, “o local privilegiado para o repouso, sossego e tranquilidade necessários à preservação da saúde e, assim, da integridade material e espiritual, é suposto que seja assegurada a tranquilidade de todos quantos a habitam, obstando à verificação de ruídos incomodativos que ponham em causa a tutela dos direitos de personalidade, sendo que o regime de prevenção e controlo do ruído tem exatamente por pressuposto a salvaguarda da saúde humana”.
Para o tribunal, o comportamento ruidoso que prejudique o repouso, a tranquilidade, o sono e a saúde de terceiros “está eivado de ilicitude pelo facto de, injustificadamente, e para além dos limites do que é socialmente tolerável, lesar o princípio da integridade pessoal, não sendo admissível a sua compressão de modo a que a mesma seja colocada em sério risco, bem como a qualidade do descanso”.
Por isso, o tribunal diz que “não restam dúvidas” de que aquela linha de alta tensão, ao emitir um ruído que perturba o sono e o descanso dos moradores, “põe em causa o seu direito ao descanso”.
“Assim, é manifesto que o meio adequado e proporcional para a remoção da lesão do direito ao repouso e sossego dos autores consiste precisamente na deslocação da linha para um outro local, mais afastado de casa dos autores, solução que se afigura como a mais simples e de menor custo, sem prejuízo do enterramento da linha, se tal se mostrar mais adequado em concreto”, lê-se ainda no acórdão.
O tribunal considera “claro” que o desvio da linha para outro local “em nada afeta” a prestação do serviço público por parte da EDP, “refletindo-se, tão só, nos custos necessários à alteração da sua localização”.