O Minho tem o habitat perfeito em Portugal para a Salamandra Salamandra, vulgarmente conhecida como salamandra-de-fogo ou salamandra-de-pintas-amarelas. Na última semana, muito por causa da chuva, têm sido vários os registos fotográficos partilhados nas redes sociais deste peculiar anfíbio que, para muitos, ostenta uma beleza única.
Porém, essa beleza é o perigo para os outros, pois o colorido serve para avisar que são tóxicas. É uma das partidas que a natureza nos prega, como explicou a O MINHO Armando Caldas, professor licenciado em engenharia zootécnica e um dos maiores especialistas em anfíbios no nosso país.
De acordo com o também autor do livro “Guia Fotográfico Quercus: Anfíbios de Portugal”, natural de Cerveira mas a residir atualmente em Sintra, o avistamento deste anfíbio dá-se porque o final do inverno é um dos dois períodos onde a salamandra aproveita para se reproduzir. O outro é no final do verão.
“No verão elas estivam, ou seja, baixam o metabolismo e ficam escondidas num buraco [em estado de dormência], e despertam com as primeiras chuvas do outono. O que tem acontecido nos últimos dias é o despertar para a atividade reprodutiva, porque com as temperaturas mais moderadas e com as primeiras chuvas de primavera, elas saltam dos buracos e entram numa espécie de paranóia e andam à procura de se reproduzir”, explica Armando Caldas.
E, depois da cópula, feita em terra, vão à água deixar as larvas, mas saem logo. Porque é um anfíbio terrestre. Tanto que são muitas as salamandras que morrem afogadas em tanques de rega ou domésticos.
“Aproveito para deixar a sugestão para que se deixe um pedaço de madeira que vá do fundo até à tona, nesses tanques, de forma a que as salamandras possam escapar quando caem lá dentro”, apelou o especialista, revelando que o animal é “muito desajeitado na água”.
Armando Caldas adianta que esta é “uma espécie muito bem sucedida a nível mundial”, com dezenas de subespécies (nove na Península Ibérica e duas em Portugal).
Alterações climáticas
Para o professor, é inevitável tocar no assunto que está na ordem do dia: as alterações climáticas (e a falta de chuva neste inverno). “Eu não sou fatalista, não gosto de dramatizar, mas sou obrigado a admitir que as alterações [climáticas] têm influencia na vida destas salamandras. E nós tivemos um inverno muito fora do normal. Porém, é no Minho onde há maior precipitação, por causa da influência atlântica, e é esse o clima que a salamandra prefere”.
Tóxica?
Nem tudo é belo na salamandra-de-pintas-amarelas. O anfíbio produz uma secreção através da pele que é irritante. “Tem umas glândulas atrás dos olhos – que se chamam parótidas – e chega a projetar essa secreção por mais de um metro de distância, algo que já presenciei”, conta o especialista.
Contudo, “para nós [humanos] não é propriamente grave, lava-se com água e sabão, provoca irritação cutânea na boca e nos olhos, ou no nariz, nas mucosas, mas passa”.
Para os outros animais é que já pode representar maior perigo, como os cães ou os gatos que, por vezes, as tentam morder. “A salamandra salamandra tem poucos inimigos por causa disso, pois são poucos os animais que lhe tocam. E quase não têm predadores, só algumas aves de rapina, mas poucos animais simpatizam com ideia de comer salamandra”.
Salamandra que nasce no fogo?
Dizem ‘os antigos’ que as salamandras nascem do fogo, mas Armando Caldas desmistifica: “Diz-se que, quando havia incêndios, elas apareciam. Mas isso é porque estão a fugir do fogo, não é porque nascem no fogo (risos)”.
No livro “Pseudodoxia Epidemica”, onde Sir Thomas Browne desafia e refuta superstições do século XVII, há um capítulo dedicado a este ser. É referido que a crença de que a salamandra-de-pintas-amarela nasce do fogo remonta aos tempos do Antigo Egipto, pois existem hieróglifos que o descrevem.