A Universidade do Minho, em Braga, foi palco do primeiro doutoramento em Direito, em Portugal, de um surdo-mudo, tendo sido Filipe Venade aprovado por Bom com Distinção.
Filipe Venade de Sousa, de 32 anos, natural de Espinho e residente no Porto, ouviu com muita alegria o anúncio do doutoramento por parte da Professora Maria Clara Calheiros, presidente da Escola de Direito da Universidade do Minho, que presidiu ao Júri, integrado entre outros, pelo Professor Jorge Miranda.
O tema da tese de doutoramento foi “Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com deficiência no Ordenamento Jurídico Português – O contributo para a compreensão do estatuto jusfundamental”, mereceu um reconhecimento unânime do Júri.
Filipe Venade de Sousa, agora doutorado em Direito na Escola de Direito da Universidade do Minho, já tinha sido premiado na tese de mestrado intitulada Os Direitos Fundamentais da Pessoas Surdas, ao publicar o trabalho “Os Direitos das Pessoas Surdas como questão dos Direitos Humanos: Sem Língua Gestual, não há Direitos Humanos, que lhe mereceu o Prémio Maria Cândida da Cunha, no ano de 2012.
Este galardão do Instituto Nacional para a Reabilitação visa distinguir projetos científicos de excelência na área da deficiência e da reabilitação, tendo o trabalho sido desenvolvido no âmbito do mestrado em Direitos Humano, segundo a Associação de Surdos do Porto.
O estudo teve como objetivo contribuir para a compreensão do tratamento jurídico dos direitos das pessoas surdas, à luz da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e da Constituição da República Portuguesa.
É que “apesar da lei defender a proteção e a valorização da língua gestual como expressão cultural e instrumento de acesso à educação e à igualdade de oportunidades, verificam-se algumas lacunas na adaptação dos serviços públicos às necessidades desta minoria” – diz.
“Os resultados da investigação demonstram que a língua gestual não é suficientemente utilizada por estes serviços, o que dificulta o dia-a-dia das pessoas surdas nas situações mais comuns como ir ao médico, à Segurança Social e às Finanças”, acrescenta.
“Deve-se exigir ao Estado e à comunidade em geral a eliminação das barreiras criadas e por conseguinte a promoção dos direitos destas pessoas na sociedade, em igualdade de condições com as restantes”, refere Filipe Venade de Sousa, para quem “as pessoas surdas devem ter acesso a qualquer serviço adaptado para conseguirem exercer plenamente os seus direitos na sociedade”.
Segundo este antigo aluno surdo, a língua gestual surge como uma “base imprescindível” para o pleno exercício do direito à cidadania na sociedade, “sendo as entidades públicas e privadas passíveis de multas em situações de incumprimento”.
Sonha com Estrasburgo
Nascido em Espinho, com 32 anos, residente no centro da cidade do Porto, com o grau de mestre em Direitos Humanos pela mesma escola, onde desde 2013 é investigador a colaborador do Centro de Investigação Interdisciplinar em Direitos Humanos, Filipe Venade de Sousa fez no Porto, a sua licenciatura em Direito, pela Universidade Lusíada.
É membro muito ativo no seio da comunidade surda e respetivo movimento associativo em Portugal e na luta em prol dos direitos e interesses das pessoas surdas e em prol do reconhecimento da língua gestual portuguesa como um direito fundamental, sonhando um dia poder vir a trabalhar no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo.
“Experiência muito positiva”
No final dos trabalhos, o Professor Jorge Miranda afirmou a O MINHO “ter sido uma experiência muito positiva” o integrar o júri que atribuiu o grau de doutor para Filipe Venade de Sousa, em Braga.
“O caráter inovador da prova cujo tema é relacionado com a proteção efetiva das pessoas com deficiência e as qualidades do candidato” foram enaltecidas por Jorge Miranda, ao sair da Universidade do Minho, confirmando tratar-se do primeiro caso, em Portugal, de um surdo-mudo a doutorar-se em Direito.
“O meu limite é o céu”
Filipe Venade de Sousa, ainda antes de saber que seria aprovado e com distinção, no grau de doutor em Direito, disse ainda que “não ficarei por aqui, pois o meu limite é o céu”.
O jovem salientou que enquanto surdo-mudo, “eu sou a primeira pessoa a candidatar-me a um doutoramento, na área de Direito, o que é uma responsabilidade bastante grande, até porque quero ser um modelo para os outros surdos”.
Sobre o tema da sua tese, Filipe Venade de Sousa disse “estar relacionada com o facto de eu ser surdo, porque na área jurídica ainda há muito por preencher e gostava de tapar esse buraco, pois a área de Direito é aquela que eu mais gosto e este é um passo importante”.