Sobre o teste Papanicolau

Doutor Jorge Neves

É atualmente a principal arma de que dispomos na prevenção do cancro do colo do útero, o terceiro tipo mais comum de cancro na população feminina em todo o mundo.

O principal objetivo do exame Papanicolau é detectar precocemente alterações pré-malignas na mucosa do colo do útero, geralmente provocadas pelo vírus HPV, de forma a se poder intervir a tempo, impedindo o aparecimento de uma cancro invasivo. Quando detectado em fases iniciais, o cancro do colo do útero é curável.

O Papanicolau é um exame de rastreio, ou seja, ele não faz o diagnóstico do cancro do colo uterino; quem faz o diagnóstico é a biópsia do colo do útero. O papel do Papanicolau é dizer quais são as mulheres que possuem um risco maior de terem lesões pré-malignas e, portanto, precisam ser submetidas a biópsia e eventual tratamento.

O colo do útero, também chamado cérvix uterino, é a porção mais inferior e estreita do útero. O colo do útero é um pequeno canal de 2 a 3 cm de diâmetro, com formato cilíndrico, que faz a ligação entre a vagina e o corpo do útero. Na extremidade do colo do útero existe um orifício por onde sai a menstruação e entram os espermatozoides.

A região do colo do útero é mais susceptível ao aparecimento de tumores malignos que o resto do útero, pois fica em contacto direto com o canal vaginal, estando, portanto, mais exposta ao pH ácido da vagina, a infecções e traumatismos.

Na verdade, não é todo o colo do útero que é susceptível ao aparecimento de cancro, mas sim a região em volta do orifício uterino.

O tecido que reveste o colo uterino não é homogéneo

O canal interno do colo uterino, chamado endocérvix, é revestido por um epitélio colunar simples, uma única camada de células, que contém algumas glândulas responsáveis pela secreção de muco cervical. A esse tecido chama-se epitélio colunar ou epitélio glandular.

A parte externa do colo uterino, que fica em contacto com o canal vaginal, chama-se ectocérvix e é revestido por um epitélio escamoso, semelhante ao da vagina.

Colo uterino

O epitélio colunar da porção interior do colo do útero (endocérvix) é muito mais frágil que o tecido escamoso do ectocérvix, que precisa ser mais resistente, pois fica em contacto direto com o canal vaginal.

Até à puberdade, a fronteira entre o epitélio colunar e o epitélio escamoso fica bem na entrada do orifício, exatamente onde termina o endocérvix e se inicia o ectocérvix. O ponto que divide ambos os tecidos chama-se JEC (junção escamo-colunar). Após a puberdade, a anatomia do colo uterino muda; parte do endocérvix exterioriza-se, empurrando a JEC para fora do orifício uterino.

Essas alterações anatómicas fazem com que uma parte do frágil tecido colunar, que antes ficava protegido dentro do endocérvix, fique agora exposto ao meio hostil da cavidade vaginal. Como forma de defesa, o tecido colunar sofre uma alteração chamada metaplasia escamosa, que consiste na transformação do epitélio colunar em epitélio escamoso. Toda a região exteriorizada que sofre metaplasia chama-se zona de transição.

A metaplasia em si não é considerada uma lesão maligna ou pré-maligna, é apenas um processo fisiológico de defesa da mucosa. Portanto, é perfeitamente normal aparecer no teste Papanicolau a presença de metaplasia escamosa.

A zona de transição, ou seja, o local que sofreu metaplasia escamosa, tem grande importância na realização do Papanicolau, pois é este o sítio onde o vírus HPV se costuma fixar, tornando-se, portanto, uma área extremamente susceptível ao aparecimento de tumores malignos. Logo, como o teste de Papanicolau é um exame de rastreio do cancro do colo uterino, é essencial que durante o procedimento o médico consiga obter material vindo da JEC e da zona de transição (ZT).

Como se faz o teste Papanicolau

O objetivo do exame Papanicolau é colher algumas amostras de células da região do orifício cervical (endocérvix) e em redor do colo uterino, de forma a obter células da ectocérvix, endocérvix e zona de transição (JEC). Essas células colhidas são enviadas para um laboratório para que possam ser estudadas num microscópio por um patologista.

O exame Papanicolau é bastante simples, rápido e praticamente indolor, embora algumas mulheres possam ficar tensas com o exame ginecológico e sentir algum desconforto. Para se obterem amostras do colo uterino, o médico precisa fazer um exame ginecológico com um espéculo, que permite que o canal vaginal e o colo do útero sejam visualizados. Após uma rápida inspeção, o ginecologista irá introduzir uma pequena escova no orifício cervical, conseguindo, assim, obter algumas células desta região. Uma espátula ou uma cotonete também podem ser usadas para obter material ao redor do colo uterino. Se durante a inspeção o médico observar alguma área do colo do útero com alterações suspeitas, pode fazer uma biópsia da lesão e enviar o material juntamente com o material colhido do endocérvix e ectocérvix.

O exame de Papanicolau deve ser realizado, de preferência, fora do período menstrual. As mulheres devem evitar relações sexuais, duche vaginal, aplicação de gel ou óvulo vaginal, ou uso de absorvente interno nas 48 horas que precedem o exame.

Para que serve o teste Papanicolau

O material colhido no exame Papanicolau pode ser utilizado para pesquisar não só a existência de alterações celulares malignas ou pré-malignas, mas também para pesquisar a presença do vírus HPV e várias outras infecções ginecológicas, tais como gardnerella , tricomoníase, candidíase, gonorreia, sífilis e clamídia, entre outras.

O Papanicolau apenas orienta os médicos sobre quais são as doentes que precisam ser investigadas com mais cuidado, geralmente através de uma colposcopia e biópsia do colo uterino.

A colposcopia é um procedimento diagnóstico no qual um microscópio especial, com várias lentes de aumento, é usado para fornecer uma visão ampliada e bem iluminada do colo do útero e da vagina. A colposcopia permite ver o colo do útero com imagens muito mais nítidas que o simples exame ginecológico, facilitando a identificação de feridas ou anormalidades na mucosa. Durante a colposcopia, o ginecologista realiza biópsias do tecido do colo uterino para pesquisar a existência de lesões malignas. Como na biópsia conseguimos obter uma quantidade muito maior de células que no exame de Papanicolau, os resultados são muito mais precisos e confiáveis.

Quando fazer o teste Papanicolau

Deve ser realizado em todas as mulheres com vida sexual ativa. O tempo de intervalo entre cada exame varia de acordo com as sociedades de Ginecologia de cada país. O habitual é indicar um intervalo de 1 ano entre os exames nos 3 primeiros anos. Se estiver tudo bem, os testes seguintes podem ser feitos com intervalos de 3 anos. Se, entretanto, a mulher tiver um tipo agressivo de vírus HPV, o teste de Papanicolau pode ser feito com intervalos mais curtos, individualizados.

Em alguns países, o primeiro teste Papanicolau só é recomendado após os 21 anos de idade, mesmo para mulheres que já inciaram a vida sexual na adolescência. Como o HPV demora vários anos para provocar alterações celulares que possam levar ao desenvolvimento do cancro do colo uterino, alguns médicos argumentam que não há necessidade de começar a testar todas as mulheres nos seus primeiros anos de vida sexual.

Resultados do teste Papanicolau

Após o envio do material colhido no exame de Papanicolau, o laboratório fornece o resultado do estudo em cerca de 3 a 5 dias.

Obs: o laboratório pode fornecer os resultados do Papanicolau sob o nome de colpocitologia oncótica, exame preventivo ou citologia cérvico-vaginal.

A forma como cada laboratório fornece o resultado do teste de Papanicolau pode ser diferente. É importante também frisar que a nomenclatura mudou recentemente, por isso, se for comparar um exame atual com outro mais antigo, eles podem ter resultados semelhantes, mas descrições bem diferentes.

Antigamente os resultados descreviam assim as classes do teste Papanicolau:

Papanicolau classe I – ausência de células anormais.
Papanicolau classe II – alterações celulares benignas, geralmente causadas por processo inflamatórios.
Papanicolau classe III – Presença de células anormais (incluindo NIC 1, NIC 2 e NIC 3).
Papanicolau classe IV – Citologia sugestiva de malignidade.
Papanicolau classe V – Citologia indicativa de cancro do colo uterino.

Os resultados por classes ainda podem ser encontrados, mas têm sido abandonados em favor de um resultado mais descritivo sobre as alterações celulares.

Teste Papanicolau normal

Em geral, o resultado do Papanicolau descreve primeiro a qualidade da amostra enviada e depois fornece os diagnósticos.

Um bom resultado necessita:

Dizer que a amostra enviada foi satisfatória para avaliação pelo patologista.
Se o resultado apontar uma amostra insatisfatória, a colheita de material deve ser novamente efetuada pelo médico.Indicar que tipos de tecido deram origem às células colhidas, como, por exemplo, células da JEC, células da zona de transição (ZT), ectocérvix ou endocérvix.
Se não houver na amostra, pelo menos, células da JEC ou da ZT, a qualidade do exame fica muito comprometida, já que são essas as regiões mais atacadas pelo vírus HPV.

Indicar o tipo de células presentes: células escamosas (ectocérvix), metaplasia escamosa, células colunares (endocérvix), células do epitélio glandular (endocérvix), etc.

Descrever a flora microbiológica: a flora bacteriana natural da vagina é composta por lactobacilos, portanto, é perfeitamente normal que o Papanicolau identifique essas bactérias.

Se houver alguma infecção ginecológica em curso, o resultado pode indicar a presença de leucócitos (células de defesa) e o nome do gérmen invasor, como, por exemplo, Gardnerella ou Candida albicans.

Após as descrições acima, se o resultado não indicar a presença de células malignas ou pré-malignas, ele virá com uma descrição do tipo: ausência de atipia, ausência de células neoplásicas, negativo para lesão intraepitelial ou negativo para malignidade.

Teste Papanicolau anormal – Ascus e asch

ASC-US ou ASCUS

O acrónimo ASCUS significa Células Escamosas Atípicas de Significado Indeterminado (Atypical Squamous Cells of Undetermined Significance).

De todos os resultados anormais encontrados no Papanicolau, o ASCUS é o mais comum.
Ocorre em cerca de 2 a 3% dos exames.
O ASCUS indica uma atipia, ou seja, uma alteração nas características normais das células escamosas, sem, porém, apresentar qualquer sinal claro de que possam haver alterações pré-malignas.
O ASCUS pode ser provocado, por exemplo, por inflamações, infecções ou atrofia vaginal durante a menopausa.

Na grande maioria dos casos, o ASCUS é um achado benigno que desaparece com o tempo. É preciso salientar, porém, que a presença de ASCUS não elimina totalmente o risco dessas células virem a ser uma lesão pré-maligna; ele significa apenas que o risco é muito baixo.
Estudos mostram que cerca de 7% das mulheres com HPV e ASCUS desenvolvem cancro do colo uterino no prazo de 5 anos.
Entre as mulheres que não têm o HPV, a taxa é de apenas 0,5%.

Os médicos podem tomar duas atitudes perante um resultado do teste Papanicolau com ASCUS: ou se repete o exame após 6 a 12 meses (a maioria dos casos de ASCUS desaparece nesse intervalo) ou faz-se a pesquisa do vírus HPV. Se o HPV for negativo, não é preciso fazer nada, apenas manter a rotina habitual de fazer o exame Papanicolau a cada 3 anos. Se a mulher tiver o vírus HPV, principalmente os subtipos 16 e 18, que são os mais perigosos, o médico costuma realizar uma colposcopia e eventual biópsia para investigar melhor o colo do útero.

ASC-H ou ASCH

Quando o patologista descreve a presença de ASCH, significa que ele viu células escamosas atípicas, com características mistas, não sendo possível descartar a presença de atipias malignas. É um resultado indeterminado, mas com elevado risco de existirem lesões epiteliais de alto grau (NIC 2 ou NIC 3).
A presença de ASCH indica a realização da colposcopia e da biópsia do colo do útero.

Lesões Pré-malignas no Papanicolau – LSIL E HSIL / NIC 1, NIC 2 E NIC 3

As lesões pré-malignas do colo do útero identificadas pelo Papanicolau são atualmente descritas como LSIL (Lesão Intraepitelial escamosa de baixo grau) ou HSIL (Lesão Intraepitelial escamosa de alto grau).

Lesão Intraepitelial escamosa de baixo grau (LSIL)

A LSIL indica uma displasia discreta, uma lesão pré-maligna com baixo risco de ser cancro. A LSIL pode ser causada por qualquer tipo de HPV, seja ele agressivo ou não, e tende a desaparecer após 1 ou 2 anos, conforme o organismo da mulher consegue eliminar o HPV do seu organismo.

Se o teste HPV da mulher for negativo, não é preciso fazer nada, basta repetir o Papanicolau dentro de 6 meses a 1 ano. Nestes casos, o risco de evolução para cancro é praticamente nulo. Se o teste de HPV for positivo, a mulher com LSIL deve ser avaliada com colposcopia e biópsia, pois apesar de baixo, existe um risco da lesão ser, na verdade, um pouco mais agressiva do que aquela identificada no Papanicolau (pode ser um NIC 2 ou NIC 3).

A mulher com LSIL no Papanicolau costuma ter NIC 1 (lesão pré-maligna de baixo risco) na biópsia. Porém, cerca de 16% das mulheres têm NIC 2 (lesão pré-maligna moderada) e 5% têm NIC 3 (lesão pré-maligna avançada). O risco de um resultado LSIL indicar um cancro é de apenas 0,1%.

Antigamente o LSIL era chamado de NIC 1 (Neoplasia Intraepitelial Cervical grau 1). O termo NIC deixou de ser indicado nos resultados dos testes Papanicolau há bastante tempo, pois, nem todo LSIL corresponde realmente a uma lesão NIC 1 na biópsia. Portanto, NIC 1, NIC 2 e NIC 3 atualmente só devem ser usados para descrever resultados da biópsia feita por colposcopia. No Papanicolau, o correto é usar os termos LSIL ou HSIL.

Lesão Intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL)

O HSIL indica que as células anormais têm grandes alterações no seu tamanho e forma. É um achado que indica grande risco de existirem lesões pré-malignas moderadas/avançadas (NIC 2 ou 3) ou mesmo cancro já estabelecido. O risco de um resultado HSIL ser NIC 3 na biópsia é de 50%. O risco de um resultado HSIL ser um cancro é de 7%.

Portanto, toda a mulher com resultado HSIL no Papanicolau precisa ser investigada através de colposcopia e biópsia.

 
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