ARTIGO DE OPINIÃO
Raúl Amorim de Abreu
Engenheiro Químico, mestre pelo Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP)
O apagão que afetou diversas regiões em Portugal e Espanha deveu-se a uma perturbação significativa na estabilidade da rede elétrica ibérica, originada por anomalias operacionais numa central fotovoltaica de grande escala localizada em Badajoz, operada por um Operador de Energia em Espanha.
Quando sistemas de geração intermitente, como a energia solar, não são devidamente integrados em redes de transmissão, com capacidade de resposta rápida e reserva inercial adequada, podem ocorrer flutuações abruptas na tensão e frequência da rede. Estas instabilidades de rede, quando não são imediatamente reguladas, comprometem o equilíbrio dinâmico do sistema elétrico.
Segundo informação obtida, a referida central terá apresentado comportamentos anómalos — nomeadamente variações súbitas na injeção de potência ativa e falhas na compensação da potência reativa, esta situação desencadeou a atuação dos sistemas de proteção da Red Eléctrica de España (REE).
Nas medidas preventivas adotadas destacou-se a desconexão seletiva de fluxos interfronteiriços com Portugal, de forma a evitar uma propagação da instabilidade da rede. Quando a rede elétrica espanhola começou a registar situações anómalas foi tomada a decisão de reduzir a transmissão de energia a Portugal (segundo informação obtida na imprensa).
Estas ações estão alinhadas com os protocolos de segurança do Sistema Elétrico de Serviço Público, cujo objetivo é preservar a integridade da malha e evitar falhas em cascata (cascading failures). A redução das exportações para Portugal — que mantém uma forte interdependência com a rede espanhola no contexto do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL) — terá sido desencadeada por sistemas automatizados de gestão de contingências em tempo real, sustentados por plataformas SCADA/EMS (Supervisory Control and Data Acquisition / Energy Management Systems).
Este apagão sublinha, de forma clara e concreta, a urgência de reforçar a robustez da integração das fontes renováveis na rede elétrica ibérica. A crescente penetração de geração intermitente, como a solar fotovoltaica e a eólica, coloca novos desafios aos operadores de rede, uma vez que estas tecnologias, embora sustentáveis, são dependentes de variabilidades climáticas e não dispõem de inércia eletromecânica, ao contrário das centrais térmicas convencionais.
Um dos primeiros pilares a ser reforçado é a capacidade de previsão e despacho da produção renovável. Algoritmos baseados em modelos meteorológicos de alta resolução, combinados com sistemas de machine learning, são hoje indispensáveis para antecipar variações bruscas de geração e ajustar o planeamento em tempo real. No entanto, a previsão por si só não é suficiente se não for acompanhada de uma arquitetura de despacho flexível, capaz de modular rapidamente o contributo das várias fontes de energia, incluindo centrais de backup e mecanismos de resposta à procura (demand response).
Outro vetor essencial é a implementação de sistemas de armazenamento energético, que funcionam como elementos de buffer entre a produção intermitente e o consumo. Entre as tecnologias mais promissoras destacam-se as baterias de fluxo redox e os sistemas BESS (Battery Energy Storage Systems) de grande escala. Estes dispositivos permitem armazenar excedentes de produção em períodos de baixa procura e injectar energia na rede em momentos críticos, contribuindo para a regulação da frequência e para a gestão de picos de carga.
Paralelamente, a adoção de tecnologias de controlo avançado torna-se imperativa.
Os sistemas FACTS (Flexible AC Transmission Systems), como STATCOMs ou SVCs, desempenham um papel vital na compensação dinâmica da potência reativa, estabilização de tensão e aumento da capacidade de transferência das linhas de transmissão.
Adicionalmente, o uso crescente de soluções baseadas em inteligência artificial e controlo preditivo permite uma gestão proactiva da rede, com capacidade para antecipar situações de contingência e executar respostas automáticas em milissegundos ou mais baixas ainda, algo crucial num contexto de elevada volatilidade energética.
A conjugação destas medidas — previsão sofisticada, armazenamento eficiente e controlo inteligente — deve ser enquadrada numa estratégia de modernização das infraestruturas da rede elétrica, com investimentos em digitalização, sensores distribuídos (PMUs – Phasor Measurement Units) e maior redundância operacional. Só assim será possível garantir a segurança, resiliência e estabilidade do sistema elétrico numa transição energética que, apesar de inevitável, exige engenharia de precisão e planeamento sistemático.