Há, pelo menos, 25 anos, que a população da cidade de Braga manifesta interesse pela preservação do património histórico e cultural do vale das Sete Fontes, uma área habitada desde as idades do Ferro e do Bronze. A gestão da autarquia, sem grande contestação da oposição, aprovou a alteração ao PDM, que permite a construção imobiliária de 30 hectares naquele vale.
“As construções de imóveis previstas no Plano de Urbanização aprovado podem incidir sobre uma zona de subsolo com particular densidade de vestígios, pelo que são sempre um risco para a conservação do património arqueológico”, afirma o arqueólogo, Francisco Sande Lemos, questionado por O MINHO.
“O património do vale das Sete Fontes não se limita ao conjunto setecentista observável, formado pelas galerias subterrâneas, os castelos de água e o aqueduto. Por si mesmo este é uma obra de arquitetura e engenharia notável. Mas sabe-se que o sistema tem raízes mais antigas, remontando ao Alto Império, sendo um dos vários aquedutos que abasteciam Bracara Augusta. Continuou a ser utilizado na época medieval, pois há documentos da época que assim testemunham. Por outro lado, é necessário considerar que o vale, soalheiro e abrigado, terá sido ocupado na Pré-História Recente, no Calcolítico (cerca de 3 mil anos antes da Era Cristã) e na Idade do Bronze”, esclarece Sande Lemos, sobre a importância patrimonial do vale das Sete Fontes.
A Câmara de Braga foi contactada por O MINHO e afirma que tudo está a ser elaborado dentro dos conformes, com a colaboração das instituições responsáveis pelo património.
“O Plano de Urbanização foi acompanhado e validado pela DRCN, e todos os trabalhos a desenvolver terão acompanhamento arqueológico, quer da Câmara, em estreita cooperação com a UM, quer com a DRCN, obrigatório por lei. Havendo vestígios dignos de preservação in situ serão integrados e adaptados aos respetivos projetos de arquitetura. Recorde-se que será uma intervenção numa zona de proteção de um Monumento Nacional pelo que todos os procedimentos estão garantidos e monitorizados”, afirma a autarquia.
O arqueólogo, ex-diretor da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, aponta, à partida, os erros a evitar: “São de excluir totalmente os acompanhamentos arqueológicos em obra. Mas sim intervenções prévias com o tempo necessário a fim de ser possível registar toda a informação e avaliar cuidadosamente o interesse patrimonial do subsolo no espaço para se prevê edificar. Como preconiza a Lei do Património, os eventuais vestígios que possam ser descobertos deverão ser conservados in situ, caso se justifique. Cumpre ainda à DRCN e à CMB fiscalizar os trabalhos arqueológicos e o cumprimento das condicionantes”.
Possibilidade de Núcleo Museológico
A hipótese de surgir no vale das Sete Fontes um novo núcleo museológico para a cidade de Braga, não deve ser ignorada, segundo o arqueólogo: “O Vale das Sete Fontes deve ser encarado como um potencial núcleo museológico articulável com os já existentes, como a Fonte do Ídolo, o Teatro romano do Alto da Cividade, as Domus das Carvalheiras, da Escola da Sé, do claustro do Seminário de Santiago. Mas não só. Também com todos os monumentos da cidade que eram abastecidos pelo sistema, como por exemplo os fontanários O interesse específico desse hipotético núcleo é do ilustrar o aproveitamento da água e o uso agrícola do vale, ao longo dos séculos”.
A luta de uma cidade, pelo património
A luta pela conservação das Sete Fontes foi e continua a ser um movimento coletivo da cidade de Braga. A ASPA (associação de defesa do património), ao propor a classificação patrimonial do conjunto em 1995, abriu caminho a um processo demorado.
O ano de 2001 foi um rude golpe para as Sete Fontes, pois o antigo presidente da Câmara, Mesquita Machado, conseguiu que o Conselho de Ministros aprovasse a Revisão do PDM com o máximo de volume e densidade de construção.
A aprovação do Conselho de Ministros ocorreu apesar do parecer negativo do Instituto Português de Arqueologia (Ministério da Cultura), no qual se pode ler: “Como exemplo gravoso do impacto da Revisão do PDM, podemos referir: A previsível destruição conjunto das Sete Fontes”.
O parecer foi elaborado pela Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, em 1999, e assumido na íntegra por aquele serviço do Estado, que o remeteu para o Director Regional do Ordenamento do Território (Comissão de Coordenação da Região Norte), nesse mesmo ano.
Na altura, a cidade de Braga mobilizou-se e organizou uma petição popular com milhares de assinaturas, a primeira das quais de Jacinta Ferreira, que foi entregue na Assembleia da República em 2010.
Cumpridas as formalidades previstas na lei, a petição que requeria a urgência no processo iniciado em 1995, foi aprovada por unanimidade no Plenário. Todavia, ainda demoraram vários meses entre as recomendações da Assembleia da República e a promulgação do Decreto Lei no Diário da República, após ter sido assinado pelo Presidente da República, em exercício.
“O novo estatuto das Sete Fontes como Monumento Nacional foi um passo decisivo, sem o qual todo o vale seria hoje uma floresta de prédios, com uma estrada de intenso movimento a meio”, recorda Sande Lemos.