Se um turista chegar a Guimarães de comboio, como acontecia com muitos, até há pouco tempo, e descer a avenida D. Afonso Henriques, quando chega ao centro da cidade, fica a saber que “aqui nasceu Portugal” e que faltam 10 minutos para as 11:00. Mesmo que tenha chegado à cidade no comboio das 12:40. É que o relógio da torre da basílica de São Pedro, no largo do Toural está emperrado nesta hora, desde 2018.
Aquela torre nem sempre teve um relógio, apesar das obras da igreja terem começado em 1737 e de a obra ter sido dada com concluída em 1883/84, o relógio só ali foi colocado, a pedido da Câmara Municipal de Guimarães, em 1938.
A igreja, a que ficou sempre a faltar uma segunda torre sineira, foi elevada a basílica pelo papa Bento XIV, em 1751. Isto faz deste templo o primeiro a receber o título de basílica na arquidiocese de Braga.
Quando ali foi colocado o relógio, nos anos trinta do século passado, a Câmara e a Irmandade de São Pedro firmaram um contrato. Nesse documento, segundo Olga Costa, responsável pela comunicação da Irmandade e autora do livro “Uma viagem no tempo -História de uma Irmandade”, ficou estabelecido que a propriedade do relógio era da Câmara e que era o Município o responsável pela manutenção do equipamento.
A máquina instalada em 1938 é um modelo mecânico, recorrendo a rodas dentadas, cabos, pesos e contrapesos. Um mecanismo muito pesado que foi sofrendo com o desgaste dos anos e, naturalmente, chegou ao século XXI já completamente ultrapassado. A certa altura deixou mesmo de funcionar.
Em 2001, a Irmandade desligou o velho relógio mecânico, nessa altura com 63 anos, e instalou um novo relógio digital. Os responsáveis da Irmandade reconhecem que embora o relógio não lhes pertença são eles quem enfrenta as queixas das pessoas relativamente às falhas de funcionamento. Terá sido isso que justificou a intervenção em 2001, com a colocação de uma nova máquina, mais atual. Olga Costa fala também de uma questão de segurança, já que a velha e pesada máquina ameaça fazer ruir o piso do andar em que se encontra.
Esta intervenção por parte da Irmandade terá causado algum mal-estar junto da Câmara, uma vez que é esta a proprietária do relógio. Segundo Óscar Ribeiro, secretário da Irmandade, a situação foi ultrapassada, “ainda no tempo em que era presidente de Câmara António Magalhães. Foi até atribuído um subsídio à Irmandade de São Pedro para a ressarcir dos gastos com a aquisição da nova máquina e o contrato manteve-se em vigor”.
Quer dizer, de acordo com a Irmandade, a aquisição de uma nova máquina, em 2001, não invalida que o contrato de 1938 se mantém em vigor e que a propriedade do relógio é do Município. “Este relógio toca o hino da cidade e não o faz por ser da Igreja, fá-lo porque é propriedade da Câmara”.
O certo é que a nova máquina continuou a não ter manutenção por parte da Câmara e “na véspera da Ronda da Lapinha (junho), em 2018, voltou a avariar”, conta Óscar Ribeiro. “Primeiro parou um mostrador, um mês depois pararam os outros”, lembra Olga Costa.
“O relógio não é da basílica, é da cidade”
O presidente da Câmara foi avisado no próprio dia. “Estivemos até setembro sem mostradores, mas sempre a dar horas nos sinos e a tocar o hino da cidade ao meio-dia. Em nome da cidade e do povo, porque o relógio não é da basílica, é da cidade, em setembro mandamos arranjar a máquina. Mesmo sem condições de segurança conseguimos convencer os técnicos a irem lá acima”, lamenta Olga Costa.
As condições de segurança prendem-se com a degradação do piso que suporta o peso da velha máquina do relógio. A Irmandade queixa-se que a Câmara, além de não fazer manutenção ao relógio, não se encarrega de retirar dali a velha máquina que está a comprometer a estrutura do edifício.
Apesar de a máquina que a Irmandade colocou em 2001 estar a funcionar, os veios e os ponteiros dos relógios continuam a ser os antigos. “Acontece que o que está virado para a avenida D. Afonso Henriques já não tem reparação possível. Com o calor e com a ação dos anos, os veios entortaram e já não têm reparação possível”, explica Óscar Ribeiro.
Os responsáveis da Irmandade afirmam-se cansados de enviar emails, de reuniões e promessas. “É preciso retirar a máquina antiga. O piso está a ceder, a própria Câmara já mandou os seus técnicos para verificar. Temos o compromisso da Câmara de que que vai retirar a máquina e arranjar o piso. Temos tido várias trocas de e-mails e reuniões com o presidente e, mais recentemente, com o vereador Seara de Sá. Havia um compromisso de se reparar o piso e retirar a máquina até ao final do ano”, afirma o capelão da basílica, padre Silvino.
“Já estamos em maio”, queixa-se Óscar Ribeiro, relativamente a esta promessa, feita numa reunião, em dezembro de 2020. “Querem estender a classificação de Património da Humanidade à zona de Couros e não são capazes de cuidar do património que têm”, crítica o secretário da Irmandade.
“O presidente da Câmara comprometeu-se comigo em fazer uma reparação mais geral, nomeadamente no piso abaixo daquele onde está o relógio, o piso onde estão os sinos”, nota o padre Silvino. “Queremos fazer uma intervenção na parte inferior, mas não a podemos fazer enquanto a Câmara não fizer a sua parte”, acrescenta o capelão da basílica e vice juiz da Irmandade.
Olga Costa é perentória relativamente à necessidade de obras, “é uma questão de segurança, além de chover na igreja, qualquer dia cai uma trave em cima de um fiel ou de um visitante”.
“Protocolo é omisso relativamente à responsabilidade da manutenção”
Questionada por O MINHO, a Câmara de Guimarães reconhece a propriedade do relógio, contudo, não é taxativa quando à responsabilidade de fazer a manutenção. “O protocolo é omisso relativamente à responsabilidade da sua manutenção”, afirma a Câmara Municipal.
Segundo a resposta enviada pela Câmara a O MINHO, o relógio eletrónico está “instalado e funcional”. Não são adiantadas explicações, na resposta da Câmara, para um dos mostradores estar parado.
O Município reconhece que foi contatado para “a remoção do relógio mecânico e dos elementos construtivos que o suportam no interior da Torre”. Nessa medida a Câmara tem “prevista a remoção do relógio mecânico, está a ser estudado o procedimento necessário para essa obra pelos serviços competentes da CMG. Espera-se concluir o procedimento no mais curto espaço de tempo”.
Segundo a informação que a Câmara deu a O MINHO, a intervenção só vai abranger a “remoção do Relógio mecânico e nos elementos que o suportam. A torre, propriedade da Irmandade, terá que ser intervencionada pelo proprietário no momento em que achar mais conveniente, pois a CMG está legalmente impedida de fazer qualquer intervenção em edifícios que não sejam sua propriedade”.