O Tribunal da Relação de Guimarães decidiu ser ilegal e contra o próprio Estatuto do Ministério Público, o mesmo procurador da República mudar de posição a meio do mesmo processo, como era ilegal se fosse outro magistrado a dar o dito por não dito.
Num acórdão desta semana, os juízes-desembargadores teceram duras críticas a um magistrado do MP de Braga, que de início considerou prescrito um crime, ao que a juíza de instrução criminal anuiu, mas depois o mesmo procurador já mudou de ideias.
O caso ocorreu num processo em fase de instrução em Braga e no qual o procurador, em representação do Ministério Público, em pleno debate instrutório pugnou que um crime estava prescrito, a juíza assim considerou, só que o magistrado voltou atrás.
Mas o procurador da República colocado no Juízo de Instrução Criminal de Braga foi ainda mais longe, recorrendo à Relação de Guimarães do despacho da juíza, que por sua vez tinha concordado consigo quanto à verificação da prescrição de um crime.
Em causa estava o crime de abuso de poder cuja autoria era imputada a um arquiteto da Câmara Municipal de Vieira do Minho, pelo processo das moradias de férias, permitidas com documentos falsificados, junto ao rio Cávado, na Albufeira da Caniçada.
O acórdão, por unanimidade, refere que “o Ministério Público está adstrito a critérios de legalidade, objetividade e de lealdade” nos processos, afirmando que este último princípio [lealdade] é um dever não menos importante enquanto garantia processual”.
Citando a propósito o professor Paulo Pinto de Albuquerque, os desembargadores da Relação de Guimarães acrescentam que “não pode o mesmo senhor procurador da República ou até um outro interpor recurso, assumindo uma linha jurídica diferente”.
E linha jurídica “contrária à sustentada inicialmente e atendida pela senhora juíza de instrução criminal, pretendendo agora o mesmo magistrado do Ministério Público a pronúncia [julgamento] do arguido”, um arquiteto da Câmara de Vieira do Minho.
“Da natureza una e indivisível do MP resulta que a posição previamente assumida pelo magistrado do processo não o vincula apenas a ele pessoalmente, mas antes é todo o MP que assim fica vinculado no dito processo”, diz Paulo Pinto de Albuquerque.
O acórdão da Relação de Guimarães deu provimento à resposta ao recurso do MP, por duas advogadas, Ana Eduarda Gonçalves e Bárbara Silva Soares, do escritório Soares & Gonçalves, de Braga, que no caso representam o assistente José Miguel Fischer.
Para os desembargadores da Relação de Guimarães, a questão é muito clara, “quando um magistrado do MP, em pleno debate instrutório, representando essa magistratura, pública e oralmente, suscitou a extinção do procedimento criminal, por entender mostrar-se decorrido o prazo de prescrição respetivo, expressou no processo essa posição, acabou por ficar vinculado, bem como a magistratura que representa, à mesma, tratando-se até do mesmo magistrado a assumir as duas posições antagónicas”.
Assistente José Miguel Fischer congratula-se
José Miguel Fischer, assistente no processo e quem através das referidas duas advogadas reagiu, começou por afirmar que “o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu a decisão certa, respeitando aliás a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça”.
“A rejeição do recurso apresentado pelo Ministério Público não retira nenhum mérito à pessoa do senhor procurador do MP, doutor Ramiro Santos, que interpôs o respetivo recurso”, fez questão de salientar José Miguel Fischer acerca de Ramiro Santos.
“A missão do senhor procurador da República é essa, porventura, eu acredito que o senhor procurador almejava a revogação da decisão de prescrição e cumulativamente a inversão da jurisprudência proferida em 2011 pelo Supremo Tribunal de Justiça”.
“Nessa parte, não posso concordar com o Ministério Público, porque tal acórdão uniformizador mantém-se válido e está para durar”, acrescentou, a propósito, José Miguel Fischer, referindo-se assim ao prazo da prescrição dos crimes de abuso de poder.
“Na Justiça nada é certo, tudo pode acontecer, a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães deu razão à minha posição de assistente, mas se tivesse sido outro coletivo de juízes desembargadores, nada nos diz que o Ministério Público tivesse obtido provimento do recurso, as coisas são assim mesmo no mundo judicial, faz parte da realidade jurídica”, diz José Miguel Fischer.
“Aliás, é esse um dos grandes males da nossa Justiça, o de haver muitas interpretações, a doutrina dividir-se e a jurisprudência nem sempre ser unânime, mas no presente processo eu entendo que se fez a mais inteira Justiça”, concluiu José Miguel Fischer.